3 de fevereiro de 2013

REVELADOR

A cabeça da gente parece um mata-borrão depois dos sonhos. Há os que ficam impressos em detalhes visuais, os que desaparecem por completo fazendo-nos acordar em suor ou pranto e os que deixam rastros em sensações inexprimíveis. Noite dessas, sonhei que alguém sentia uma dor de barriga repentina e me pedia para esperar. Adentramos uma casa conhecida. Este ser que me acompanhava procurava uma desculpa para disfarçar o incômodo de ter que usar o banheiro alheio, em contrapartida, assim que viu abrir a porta da residência escancarada, só lembrou de sua urgência fisiológica, mais nada. Mantive-me no quintal, perto da entrada, quando uma mulher que me parecia ser pessoa amiga, mas só no plano onírico, abordou-me perguntando pelo meu comparsa. Acabando, a incumbência de dar alguma justificativa esfarrapada passou para mim, que, ao enrolar a língua, afirmei que ele estava resolvendo assuntos de negócio lá dentro com um fulano de tal. 

Passaram-se dez minutos em minha contagem interior, quando, dentre os visitantes daquele local identifiquei um grande amigo, já do plano real, que não vejo há certo tempo. Era como se tivesse passado vinte anos desde o nosso último encontro, pelo abraço tão radiante recebido. Ele me levantou do chão em seus braços, perguntando como eu estava. Bem eu não aparentava, já chateada com aquela demora toda, assim, contei-lhe umas poucas novidades. Enquanto esse meu amigo se apresentava com suas feições preservadíssimas em beleza, dado o tempo transcorrido, sem cabelos brancos nem rugas, feito um Dorian Gray, por outro lado, surgia sua esposa e seu filho. O menino que contava quinze anos no sonho, mas cinco aqui na realidade, causou-me espanto por parecer bem mais velho que o pai. Tal um bizarro caso à la Benjamin Button, o garoto em corpo de ancião brincava com os seus carrinhos, sem que eu acreditasse no que via. Para complicar mais a situação, a mãe dele veio em minha direção com uma cara de sofreguidão que melhor poderia definir como anomalia. Ela tinha um pescoço fino que segurava sua cabeça minúscula e enrugada, como a de uma tartaruga. Senti uma compaixão tão grande por dentro, com medo de demonstrar minha estupefação, que tentei agir com o máximo de naturalidade possível. 

A sensação era a de que eu arregalava os olhos por tamanha pasmação. Aquela mulher deformada me puxou pelo braço como que aliviada por ter encontrado alguém para conversar suas agruras. Soava tal uma pobre coitada que havia perdido a própria identidade pela doação exacerbada dentro do casamento. Ela me aconselhava de uma forma tão desesperada a não me deixar ficar à míngua daquele jeito por causa de um marido e um bebê, que naquela hora meu companheiro voltou de onde estava, procurando por mim para irmos embora. Era como se houvesse passado meia hora até que ele reaparecesse. Meu amigo foi cumprimentá-lo, ambos  esbanjando simpatia. Então, fui me afastando aos poucos daquela mulher com muito frio na espinha. Ao sairmos de lá, perguntei se ele havia recomposto sua flora intestinal e obtive uma resposta aliviada. Foi quando meu íntimo passou a doer e então acordei meio cansada.

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