29 de novembro de 2013

ADEJO

The Watcher II 5x7 Fine Art Print, Small Bird Art

Se o preto no branco suja,
Dê cor.
Se pai ou mãe vira coruja,
Fuja em desatino.


No fundo, haverá mais amor
Seu mundo sábio se saberá

Feito sabiá longe do ninho

Por um pio, a gente cresce:
- Vê se não desce daí, menino!

18 de novembro de 2013

COSMOS



...É o Amor que invade sem que pareça invasão. Essas terras nunca foram minhas, todos posseiros são. Invencível aquele que ama. Só perde quem pensa em perder por se dar. Solução aquosa, adequada aos mergulhos mais profundos, sem sede ou sedução. Abraça das unhas ao pé do cabelo, desencrava pelos de eras e se põe nu através dos tempos. Um respiratório a céu aberto. Não vê poros, não cai em buracos, atravessa sem dor. Despudora, depurando com olor de brisa por onde passa. Hálito, halo e hábito de refrescar a mente. Segue a sentir compaixão, não pena, pensa como o outro reagiria em seu lugar. Acena sorrindo. Intuição a largar tudo pela frente sem que o dito crente em si se ofenda. Espiritualidade a alargar campos por depositar novas sementes. Comunhão com o próprio pão: germinado, colhido e processado por mãos absolutas. Oferenda. Nada à esmo, sem enfado, nem ofensa. O cosmos lança dardos de luz e sintoniza com as frequências altas, em alfa, no seio da selva. Seiva de alfazema dourada. Amada és tu de alma em corpo. Fora, és geada, mas não faz frio, renasce em flocos de paz a emoção. Remove montanhas de medo com chuva e lufada, limpeza que afaga com o olhar da criação. Chora cachoeiras libertárias, solta libélulas, colore as porções de concreto com mata, revive uma inteira nação na raça. Sábia noção de quem consola. Mãe cheia de perdão. Com o Sol de Ser não haveria de haver tantos lamentos. Somos santos com sexo, anjos tântricos a projetar saltos pelo infinito. De espermatozoides a humanoides bonitos, construtores de pirâmides, Parmênides, Acádios, arquidioceses poderiam cessar papados, proliferarem monges. Tecnologia de sobra. Do vale das sombras à luminescência nascemos. Ciência. Todos os bons momentos não passam de agora...

16 de novembro de 2013

DOLENTE



Um calo do lado esquerdo do peito,
de tanto bater o coração. 
Um galo na cabeça, 
por virar noites cantando. Luxação.

Mas a roxa alma ainda estava inteira.
Saindo pelas cicatrizes
Talhada e retalhada em pedra
Do que se herda em solidão.

9 de novembro de 2013

CALOR

  • Querosene quer o zênite.
    Sol ateando fogo no horizonte.
    Levanta cinzas no vôo a fênix.
    Queima água a descer da fronte.
    Suor, Senhor. Que vente!

7 de novembro de 2013

NAU FRÁGIL

Conjuga o verbo amar, depois me julga. 
Joga areia no olhar e marefica. 
Tira onda do andar que eu não nado. 
Navegar é vida, a morte é âncora.

5 de novembro de 2013

SATSANG

A gente se acostuma a tudo: das costas, que só se veem através do espelho, até os cotovelos enrugados. Nunca vi a raiz do meu cabelo, nem a nuca, mas me sei em crespidão e arrepios quando em contato com o além de mim. Miasmas. Sempre quis me beijar as vísceras, mas eu só senti, batendo-me por dentro, ardendo-me o suco gástrico pelas paredes do estômago. Basta estar vivo e imaginar um mundo sem muros dentro de nós, vermelhidão-tijolo. Ter um coração já basta para sabermos quais são as dores, umas mais suportáveis que outras. Nos outros parece admissível, admirável. Louvamos a paixão de um Cristo sem sermos pregos à cruz. Desnecessário. Mas só enquanto não se perde um ente, um algo. Após nos deixarem de mão, sabemos que nada nos pertence nessa existência, nem os pensamentos - somas sobrecarregadas de outras mentalidades, conceitos pré-fabricados; nem os nossos corpos - carnes frágeis, vestimentas fáceis de se perder, quebrar em ossos, arrancar feito palavras de nossas bocas. É tempo da descasca!

O gari convive com o lixo e, depois de certo tempo, as recepções nervosas de seu cérebro obediente convencem-no a não sentir mais o cheiro. O degustador de vinhos ou sommelier requer grãos de café para despistar outros aromas das viciadas narinas. Assim, surgem as doses que se devem aumentar, para que o organismo não crie resistência, alargue-se, tome ar. E Game Over. Over and over again. Ninguém quer perder. Nosso instinto de cachorro cria expectativa ante o passeio e a comida; se não tiver, haja choro. Primitivos tão altivos somos quando batemos o pé, exigimos, enxugamos o gelo e descontrolamos na hora em que falta o ouro, o outro, porque quase sempre não se quer sem; só, tampouco.

É segredo ainda para muitos, mas tudo o que almejamos está dentro do si, sem nomes. O processo é lento e silencioso, composto por mais não do que sim. Experimente não falar por algumas horas, calar também os sentimentos daninhos, as ondas sonoras do interior, não beber por vários dias, não fumar, sublimar o sexo, a carne, a mente em burburinho. Jejuar dos prazeres para alcançar a unidade. A iluminação é como semente. Planta, rega, regra e deixa secar ao sol. Sozinha. Respira verdadeiramente com todos os poros, enquanto caminha. Sinta a barriga elevar e contrair, inspire paz, expire o medo, inspire amor, expire a raiva, inspire alegria, expire consternação. O nada em absoluto é a meta. A seta é o dedo indicador da Verdade. Passado é mindinho.

3 de novembro de 2013

DOMINICAL

Domingos têm cheiro de chuva, mesmo quando faz sol. Demão de cal nas paredes de casa, mormaço nos terraços. Às vezes praia, às vezes futebol. Mais tempo debaixo dos lençóis, a sós ou não, pela certeza ameaçadora do dia seguinte, que já chegou atrasado no trabalho. Almoço em família pedido por telefone. Preguiça de chegar. Apetite perdido. Os carros rareiam pelas ruas mortas, enquanto os assaltos andam de motocicleta. Domingo parece um outono, febril com suas quedas de árvore, quebras de perna a quem não vai para lugar algum, dor de cabeça a quem amanhece de ressaca. Domingo, estatisticamente, apresenta os mais altos índices suicidas, quando das tentativas de enforcar as segundas-feiras. Asneiras em todos os canais abertos. Nos fechados, a TV por assinatura reexibe clássicos do suspense Hitchcockeano, tão desgastados quanto dentes em unhas roídas.

Domingo tem cheiro de baralho sobre a mesa, espirros de criança brincando na calçada, pela poeira da faxina a abrir a semana. Domingo não engana ninguém, tem olheiras e cabelos desgrenhados, visitas inesperadas e muita solidão, também. Domingo da fossa estourada, da disenteria empostada na voz do cantor sertanejo, do som do carro daquele vizinho que não precisa levantar cedo amanhã por culpa da cachaça. Domingo tem medo do fim, da insônia e da liberdade. Domingo abarrota os cinemas com casais e pizzarias com celulares iluminando rostos que não se cruzam em olhares por mais do que cinco minutos. Domingo se levanta para fumar lá fora e avista os amigos conversarem sobre amenidades. Domingo segrega. Domingo aplica a prova do vestibular, encabula o aluno mais gabaritado até prestar concurso. Domingo de judeu, resguardado, com ceia, enceradeira, louça malsã que se quebra à cabeça do marido. Domingo desapaixonado, cheirando a café na mamadeira posto por engano.

Domingo, dia de missa e fofoca na praça, paquera entre pipocas, dondocas em casamento. Domingo das velhinhas reclamonas, dos jornais escondendo os semblantes cansados, dos livros pesados sobre a perna. Domingo de momentos enquadrados nos porta-retratos. Domingo dos certos e errados, das lembranças esquecidas pelo mal de Alzheimer, do amarelo ralo nas cartas há tempos fechadas naquela caixa da parte superior do guarda-roupa. Domingo cheio de pratos para lavar, depois, sentar no sofá e fazer um balanço das horas vindouras. Domingo é um planejamento do próximo domingo, dia de chorar sem cortar cebolas e andar de ceroulas pelo apartamento. Domingo que é domingo faz as pazes consigo, numa boa.

1 de novembro de 2013

NOVEMBRO

De tudo que é novo, eu já não lembro...
Então, chegou Novembro, a quem louvo!
Personifico o calendário com as faces do tempo.
Se for lenta a vida, data-me uma valsa.
Se houver cor no vento, a balsa dá uma corrida.


Rema, rema, rema a rima
Que se mina em explosão
O fim do ano se aproxima
Chuva de prata sem rojão
Arrojo de quem me alarda
À rua cachorro feito ladrão

Sou mês de Vênus e nus
Com a lua em escorpião
Roubo estrelas, faço jus
Às velas sobre a mesa

Ceia-me, sim, porque estou acesa
Vim ao luar vestida de azul neon
Vinho ao mar, ondas de sobremesa
Som que sereia me ouviu cantar

Meu piso é de areia
Meu riso é um frouxo
Não tenho parafuso
Parou o fuso, horário nem há

Estou quase acabando
Mas nessa ampulheta 
Cabe sempre um oposto 
Que se pode entornar