31 de março de 2014

ESPIRAL

Hopi Hand by Venessa Lagrand

Falho, eu que sou homem, somam-se às rédeas de viver duas mãos calejadas. Os pomos de dentro das palmas servem para cultivo de força, segurar cascalho sem atirá-lo no lago imundo da boca de lobo. Floração da fossa. Tal gota de orvalho a dar viço, hidrato as ramagens mais secas com lodo, dou banho de bebê a ouriço, brinco de deixar perfume nas maçanetas em cada abrir de portas. Invisível à vizinhança. Ser capaz de atravessar as paredes das casas faz os pés descalçarem as botas, pisarem rastros de musgo em círculos. Biodança. Vejo vórtices por onde escoam os espíritos. Rio-me de tudo à volta, pois até choro de mau-agouro pode ser um bom presságio por agora. Acerca do que não consigo, sigo com acerto a quem parece amigo e isso é raro. Naufrágio. Aprendo a dar nós de marinheiro em crina de cavalo e valho muito à natureza do perigo. Como tudo neste mundo é frágil...

30 de março de 2014

SILENCIADA

Arte: Alex Kisilevich

A palavra perde sentido quando o sentimento nos revela. Amar é como fazer silêncio após um curto-circuito tagarela: do atrito dos fios desencapados, vem o fumacê incensório da calma. Desfaz-se a bomba de querela no bem-querer. Prestidigitação invisível? Se não houver perdão no gesto, que haja o vento à vela e apague os ânimos. Enquanto se pensar que a paz só adestra, o confronto persistirá na destruição. Em todo ser humano, o orgulho protesta, nefasta sua percepção de poder. Só se ganha ao se perder a noção do lucro. Fulcro é sustentáculo, o resto é alarido. Vencer é não ser visto. Já projetamos um final feliz no arco-íris com sua arca cheia de ouro. Pura ilusão de ótica. Esquecemos o processo, passado e presente, onde o sol em conluio com a chuva é que faz produzir colorido. Hão de nascer criaturas caladas, pois se aladas, eu me desminto ao reconhecer. Mistifico as massas cinzentas que mais parecem nuvens a fechar o tempo nesse disse-me-disse sem dizer. Confundir quem consente impunidade por não bradar o mesmo grito é falar às paredes. Brancas, tremulam às janelas uma esperança e uma vantagem que a indiferença maculou. Sorriso amarelo ao verde-vômito cheirando a desabafo. Raiva se transmutou em buzina, ponte em muro, poste em murro, morte em viver. O que sei eu de você? Conviva comigo e me perca, impermanente tal este amanhecer em pôr no horizonte mergulhado. Eu sou o NADA.

18 de março de 2014

FRIO

O mundo todo toma seu rumo na tempestade. 

Os pássaros se abrigam sobre as asas, os peixes alteiam às cheias marés em cardumes, os amantes se tornam mais amantes e os solitários mais relampejosos dentro de seus quartos. Cobrem os espelhos com lençóis antes usados, tantas vezes divididos com outros braços, bem passados à cabeça, pernas e pés lavados com cheiro de infância. Amaciante ou sabão em pó. E agora, eles teriam medo? Enfado.


Relâmpagos. Anoiteça o que anoitecer, o dia será sempre cinza e gélido e mouco e raro. Só, há quem se proteja dos sonhos em sua própria cama. Amorna. Afunda. Entende. Levanta! Tem lama lá fora para os meninos que saltam poças, as moças levantam a saia molhada feito crianças, agarrando a barra pelos joelhos, enquanto o grosso do tempo ainda escoa pelo ralo...

14 de março de 2014

PEGA PARA CRISTO

PAOLA BENEVIDES





















Meu peito asseado assoou pelo nariz:
- Era grande, Jesus!
Penifiquei calada
Sorrisinho de lado
Fui a Madalena perdida na Última Ceia do Leonardo.
Só ele sugou vinho da minha uva, juro por Deus...
Todos os outros beberam do colostro santificado.

Escarrei do pão à sopa
Assoprei para o filho ficar frio
Mas Ele sofreu o que o diabo amansou
Fazer o quê?
Rezei um terço ao pernil crucificado na mesa
Os apóstolos, no afresco, ficaram uma fera
Então, apostei que ganharia na contagem de contas

- Quem pagou a minha?
Perguntou um enviado
E judeu no que deu
Nenhum centavo.