15 de dezembro de 2006

INFÂNCIA

A fim de alterar o clichê de quem só foi feliz na infância, vim assumir minhas alegrias adultas neste espaço. Será mesmo que eu não pedi para nascer? Creio que meus genitores ouviram as súplicas do destino e me conceberam a 16 de Fevereiro de 1985, em plena manhã de Carnaval. Talvez a data se encaixe perfeitamente com meu espírito, no paradoxo da festa da carne, embora eu opte muitas vezes pela comemoração solitária do existir em meu ofício escritural. Tenho a impressão que a idade pouca, por nos propiciar liberdade maior, nos põe mais felizes, por pura falta de saber. Quando passamos a julgar que sabemos mais, isto é, quando ganhamos experiência, defrontamos com a realidade dura e seca a nos apontar na cara imperfeições e culpas. A sábia "inconsciência" infante nos permite o riso mais frequente. Já administrar responsabilidades quando maiores, pode fazer a consciência se contaminar de situações conflitivas. Eis agora o porquê de minha constatação do bom-humor na maturidade: é justamente realizar a manutenção necessária em nossa criança interior, para que ela não se perca. E estar consciente da felicidade é a melhor coisa que existe!
Eu quando menina era sozinha. Ainda sou. Aparentemente. Meu imaginário era repleto de amigos e namorados, dava vida às bonecas e aos ursos de pelúcia, criava diálogos teatrais, ao contrário dos que pensavam se tratar de monólogo intimista. Comecei a fazer poesia desde ali, brincando no quarto, rabiscando papéis, portas e paredes, esperando o sol da tarde baixar para catar folhas e dar voltas intermináveis de bicicleta no jardim, andar de patins na garagem de casa, ouvindo musiquetas em meu rádio gravador colorido. Adorava jogar bola com o pai, cabra-cega, esconde-esconde; ele nos levava ao parque do Cocó para passear de pedalinho, comer pipoca, picolé, beber suco Jandaia gelado na caixinha, falar com papagaio tagarela e macaquinho no Zoológico Sgt. Prata. Íamos também ao Aeroporto Pinto Martins antigo, perto de onde morávamos, para ver avião decolar.
A mãe dava churrascos em casa, convidava a vizinhança, às vezes comprava carangueijos vivos e ela mesma limpava e cozinhava. Era tão bom... E quando faltava luz, eu ficava eufórica para sentarmos na varanda e ouvir histórias de terror, lendas engraçadas. Morria de medo da perna cabeluda, do velho do saco e da loira do banheiro. Meu irmão, como sempre, metia medo em mim, sua única irmãzinha, caçula. Brigávamos pra passar o tempo, pra fazer hora com a cara dele, xingava e corria. Ele não gostava de dividir os brinquedinhos, nem o vídeo game. Tivemos um Atari, depois um Super Nintendo. PacMan, Tetris e Mario Bros eram meus games favoritos. Esperava Marcinho ir dormir pra mexer nos trecos dele, cansáva-me fácil das bonecas. Um dia resolvi montar um estúdio de tatuagens com carimbos de personagens dos desenhos que assistia. Lembro bem do Manda-chuva, do Papa-léguas, Pica Pau.
Na escolinha tinha mania de desenhar e pintar, modelar massinha colorida. Lá, muitos coleguinhas me pediam para tatuar com canetinha suas mãos e braços ou fazer as capas dos trabalhos. Elogiavam minha caligrafia e criatividade desde essa época. Quanto à leitura, o estímulo vinha de casa. Meus pais me deixavam escolher na banca de revistas o que quizesse
. Gibis da Turma da Mônica, álbum de figurinhas, além dos livros de contos de fada ilustrados. Tinha coleções lindíssimas de capa dura, dentre as quais uma história me fascinava: As Viagens de Gulliver, do autor irlandês Swift. O que me marcou também a lembrança foi meu pai chegando em casa com o material escolar, corria pra sentir o cheiro de caderno novo, para abrir os paradidáticos que a mamãe encapava, experimentar lápis de cor. A preparação para a volta às aulas... Sempre me destacava em Português, História e Ciências Sociais, mas na Matemática devo ter ido bem só até a quinta série. Um tanto tímida, preferia sentar nas carteiras de trás em sala de aula. Dava mais segurança ter a visão total da classe. Porém, um misto de ousadia me impelia adesafiar algumas professoras (tias), respondendo quando me cabia. Já fiz travessuras, bati num menino sardento, o Marcelo, que era apaixonado por mim.
Adorava dançar, cantar trancada no quarto, inventando coreografias até a exaustão. Depois do suor, banho. Era a mãe que lavava minha cabeça enquanto me ensinava umas canções árabes. Rava Naguila!? Nunca entendi, mas achava o máximo. Cheguei a dormir umas vezes com a mammy na época duns pesadelos e uma vez acordei dando pontapés nela achando estar lutando Karatê com meu único mano 5 anos mais velho, o Marcinho. À noitinha, de pijamas de bolinha, ia com ela escolher umas ervas cidreira, camomila no quintal para fazer meu chá. Era impossível ir pra cama sem cumprir esse ritual...
Com essas e outras vou me divertindo, preservando a moleca
eterna dentro do ser pululante. Assim eu vou crescendo mais terna e feliz!

2 de dezembro de 2006

MUSICAL

Tive a graça de crescer num meio culturalmente instigador, o que me levou a apreciar música com muita paixão, sem olvidar o espírito crítico ante melodias e letras as mais variadas. Desde minha pré-estréia no mundo, ouvia fetal sons extra-uterinos que meus pais punhavam. Além de um radinho à pilha tocando sobre a barriga, minha mãe cantarolava canções de ninar tradicionais e inventadas. E foi assim até depois do parto, quando então parti com minhas próprias perninhas a bailar e a bulir na vitrola do papai, que colecionava vinis. Entremeada à fase infantil dos anos 80, com Xuxa, Balão mágico etc. Passei a me entusiasmar com o Rock and roll. Comecei com Elvis, The Beatles, Raul Seixas, descambando para a MPB de Chico e Vinícios em seguida, na recente adolescência. Saí de um colégio pequeno, tendo completado o primário, ingressando numa escola maior. Lá me apresentaram Legião Urbana enquanto me animava com os Mamonas Assassinas. Sofri imensamente com a morte destes que acabavam por se tornarem meus ídolos em pleno auge de carreira. Em 1996, um acidente aéreo mata a mais iventiva e cômica banda de Rock nacional, levando também no mesmo ano o grande poeta Renato Russo, vítima de complicações existenciais soropositivas. Adquiria compulsiva ou morbidamente todos os discos, revistas em que eles estivessem, escutando, lendo sem cessar. Foi nesse período que meu interesse em tocar instrumentos musicais se alargou, que minhas primeiras poesias brotaram sob influências desses mestres, cada qual para uma fase específica de minha vida.

Posso lembrar com excitação do meu ingresso em shows, em festivais. Por volta dos 13 anos de idade é que me aproximo de um palco, de uma multidão pela primeira vez. Fui à apresentação dos Engenheiros do Hawaii, que por acaso a Plastique Noir, (banda gótica cearense eleita a melhor do país, dentre as melhores da Alemanha) da qual meu irmão é compositor e guitarrista, abriu seu show este fim de semana. Atualmente o cenário rockeiro local e autoral me motiva a explorar novos horizontes, concomitante meu apego a grupos internacionais consagrados e a descoberta de outros estilos. Tal bom velho vinho, amadureci minhas preferências musicais. Apaixonei-me por Sinatra, música clássica, cheguei ao Metal, ao melódico, voltei ao Pop da infância com Madonna e Michael, degustei a New Age transcedental de Enya, Era. Comprei gaitas, improvisei Blues, fui seduzida pelo Jazz, embrenhei pelas vias progressivas até cair em algumas Raves, nessa salada Alternativa hodierna. Os irlandeses do U2, inclusos na categoria dos meus ídolos vitais, a despeito dos demais, já permanecem eternizados em meu ser. [Breve dedicarei um post sobre o que é ser fã de U2 - o maior fenômeno mundial após a Betlemania!] Só não sou tão eclética a ponto de me enveredar por modismos passageiros e ocos, tais certos grupos de forró e pagode. O que não posso olvidar aqui são nossas raízes autênticas, do conteúdo vasto de um Luiz Gonzaga, de um Cartola, de Choro ou Bossa ou Samba do bom que é capaz de ir além do que os gringos querem ver. Encerro meu discurso com uma definição lírica para o que é, verdadeiramente, MÚSICA: costituída de uma matemática sensorial em que agrupamentos harmônicos são capazes de devassar, além dos ouvidos mais atravancados, os poros dotados de extrema sensibilidade. Quase sempre me pego numa espécie de transe ao ouvir certas canções. Há sonoridades que nos impelem ao riso fácil, à melancolia, a um fechar de olhos e arrepios epidérmicos capazes de nos transportar a um outro plano. Embora se trate do fruto da mais pura inspiração humana, existem teorias angélicas que rezam ser esta Arte instrumento de Deuses cantantes para nos aproximar do absoluto. Seria perfeição? De livre, ficou presa no paradoxo do que é babelicamente compreensível, haja vista ter-se gosto para tudo. Músicas para nascer, para celebrar aniversário, matrimônio, para lembrar certa pessoa ou ocasião especial, para tocar em velório e no aquém, - quem sabe? - Ad Infinitum, na eternidade!