10 de março de 2009

Olhos da cara.

Eu a par, mais apática que apoteótica. Aponto o erro de refração da luz na placa da loja. Logicamente, uma ótica de recheada vitrina me chamava. Havia a longa distância de um triz. Bendita Santa Lúcia que me conduzia pela porta uma dúzia de anos atrás. Com receita médica adentrei a loja, uma armação só. Escolhi a dedo. Visão embaçada, cocei com os punhos cerrados para ver se era mesmo verdade. Os globos se vestiam de graus por alto custo. Assim pertencia ao mundo dos míopes na moda!

O uso de lentes di-ver-gentes poderia aperfeiçoar meu entendimento, se não fosse por uma piora moral (naquele local onde mora a alma). Dizem que se agrava gradativa. Conto assim, porque hoje distraía na conversa com amigo que me reclamava um olhar mais concentrado: "Devo estar falando muito rápido, tua cara demonstra que absorveu só 5% do que eu disse." Sou meio aérea, tem horas... Os pensamentos vibram fortes em cor de carmim-estarrecido ou limão-aos-gritos. Tem tanta coisa óbvia que nem compreendo!

8 de março de 2009

Da mulher.

Arthur Rimbaud disse: “Já cheguei ao limite da minha linguagem. Agora são as mulheres, quando souberem escrever”. Elas desvendam coisas que o homem não atinge, estão mais perto de uma cortina que se abre.
A mulher consegue entrar no labirinto e sair melhor dele.

O que tenho por dentro é o importante. As mulheres fomentam esse deslumbre em relação à imagem, é triste, é passageiro – porque tem a velhice, a morte... Temos de ir às nossas cavernas, explorá-las enquanto o pensamento está poderoso ainda e deixar de lado a futilidade. Mulheres morrem nas clínicas de lipoaspiração! Vão ler! Vão estudar! As mulheres são muito mais importantes do que pensam. Perdemos um tempo enorme com essas lojas, essas vitrines. Passo aqui perto de casa, vejo os manequins todos sem cabeça e percebo que está certo: quem pensa muito em moda não pensa mesmo.
Pra que cabeça?

Lygia Fagundes Telles

4 de março de 2009

Depreciosa, pedra rara de tacar na cara.

Hoje é o dia da solidão opcional, excepcional dentro de mim. Não suporto ouvir um estampido sequer de voz. A fim de evitar meus próprios urros ancestrais, tranco meus barrancos no peito escorregadio. Cabeça mórbida sob os lençóis, só falta estourar por tantos pensamentos finos. São vozes, as malditas vozes querendo me escapar feito um feto de filho. Prematuro. Vou maturando formas através do vazio. Quando adormeço é que alivio, até pesadelo vem a calhar, só de parecer me transplantar à outra esfera tamanha. Meu espírito quer voltar donde veio, a Terra o desnutre a cada giro, a terra que me há de comer o corpo tal índia canibal. Não tenho medo, desde que não me arda. Meus olhos, de ardilosos, caíram n'água barrenta e não enxergo mal. Enxugo a vida para não me parecer tão empapuçada de mentiras.

3 de março de 2009

Enjoada, escrava de Jó.

Meu sistema imunológico anda baixo. De quando em quando me vejo na cama, prostrada, com uma revolta de querer me mover, sentir o mundo e sem poder sair. Vai ver é isso, preciso de um tempo em casa ou longe do óbvio pra me ver mais em mim, brotando em idéias. Antigamente eu não era assim, passava meses sem adoecer. Final do ano passado tive de interromper sapateado, uma dança que sempre quis fazer e que mal havia começado. Isto porque me veio uma fraqueza, tive febre, até desmaio. Vi o mundo rodar, mas não em piruetas de um novo passo inventado, vi tudo girar de tanta náusea. Existencialista que sou de mim, analisei: será náusea do mundo? No momento meu estômago reclama, minha boca parece de fel, a cabeça dói. O doutor disse que não havia cura pra esse mal de agora, trata-se de um rota-vírus engasgado no meu corpo. Só o que posso fazer é esperar ele fugir. Pior coisa que tem é não ter controle das próprias dores e prazeres. Sinto-me um fantoche da natureza. Eu que devia ter-me feito no final. À prova de balas e sem efeito colateral! Que perfeição é essa meu deus?