23 de dezembro de 2013

CHORAÇÃO

one eye crying mixed media art

ONE EYE CRYING ©2013 Tracy Stokes

Das excreções mais sinceras vertidas pelo íntimo do ser humano, a lacrimal se afirma do alto de todas as janelas, suicidando alegrias e tristezas, a exprimir o que se é, sem esperar por perdão ou pena. É a lavagem estomacal e cardíaca da verdade, olhos nos próprios olhos, o voo do âmago sobre cantilenas. Uma ave de fogo que nos abana com calma, mas antes o ardor que a gangrena. Amputa o verbo que não se fez compreender, quando já desistiu de ser entendido. Língua a morder. Retira as farpas do ego, implodido em rendição. Pranto é orgulho furado, o sangue disfarçado de purificação. Transparente água a salgar tantas feridas dormentes, meio como o mar, muito de naufrágio, pouco de correntes. Às vezes, vem silente, contrita, outras vezes, grita, geme, empaca no desespero de não ter absolutamente o nada dentro desses nós. Enforca, enfada, comunica  gratidão, comoção ou raiva. Afrouxa catarros e catarses a escoar vertigens pelo chão. O porão da gente se abre depois de tanto tempo, exalando odores e marcas, reencontros com baús, perfumes, redes e anzóis. 

Deixamos de ser 70% mágoa, exauridos por limpar a lama que se acumula ao redor da cama, das tramas, dos precipícios. Assim, os cílios varrem tudo para debaixo das sombras, descortinando-se véus em céus tornados cheios de cores, das tantas que não identificamos por nossa limitação carnal. Há um número maior que sete nesse arco-íris equidistante, além de potes de ouro enfileirados a quem quer que seja ou almeja suporte. Não há ter. Deixa-se de ser ladrão, por ser tudo grátis, de pedras amatis a diamantes. Antes de sair a roubar, ninguém é mais refém de seus alardes. Somos todos portadores de poros e doadores de suor. Nosso trabalho é banhar a vida de calor humano ao fustigar o sol com fortes abraços, regando a Terra com Amor.

16 de dezembro de 2013

DESJEJUM

Os pães têm mais miolos que essa gente faminta
De mentir em seco o que se quer em finos grãos
As mãos postas à mesa denunciam alguma fé
Em si, amanheceria com todas as cascas
Refletiria o pretume da alma dentro do café
Pingaria amargo leite nos olhos fixos
Espantaria moscas sem usar as facas

O silêncio das horas parece prolixo
Mergulha seus ares na manteiga
Derrete-se Dali
Salvador de meia tigela
Do que já foi azeite em tela
A pintar o que sorri

Um hálito só pela manhã
De dois monges que se beijam
Falando sem medo sobre sol e romã
Segredos farfalhando à brisa
Doces lábios de amor ensejam
A flor no talo que o calor eterniza