19 de dezembro de 2011

Conselho

Sobra sobriedade à minha idade tão tenra.
Sem atenuar a vida.
Extenuando a visão da mira má.
Hei de beber bem mais dessa fonte benigna.
Cavarei o mar, serei a rainha.
Arrancarei tumores pelos amores que engendra outra lida.
Li. Quem ler, saberá.
Alfabetizo o mundo em nome do Pai do Filho.
Ilha sagrada a quem me vem naufragar.
A ressaca da onda está onde vai a mensagem da garrafa.
Gargalopando depressa conchas de abrir-se pérola.

Sou moça velha a sussurrar em ouvido prece de loa.
Sou boa em fingir que não sei decifrar.
Mas se você me contar quantos grãos já pisei.
Olhos irão arear.

5 de dezembro de 2011

6 de novembro de 2011

Diário de um abandonado



“Eu sou.
Eu és.
Eu é.
Eu somos.
Eu sois.
Eu são.

Para sobreviver, é assim que a gente tem de aprender a conjugar o verbo ser. Não é fácil, demora um pouco, não adianta repeti-lo muitas e muitas vezes, até que ele fique tatuado na cortiça da alma; é preciso acreditar. E o mais difícil é acreditar. Mas quem conseguir poderá dar o passo seguinte e aprender a conjugar o verbo amar para não se dar por contente só com sobreviver, para triunfar, para que seus desejos digam à realidade o modo como deve se desenvolver:

Eu me amo.
Tu me amas.
Ele me ama.
Nós me amamos.
Vós me amais.
Eles me amam.”

3 de novembro de 2011

ENCARECIDA


Triste de chorar um choro engravatado, por não saber amar como manda o figurino.
Nó na garganta, borboletas que ainda não se desprenderam d'um estômago uterino.
Dessas lágrimas entre lábios, tanto sal dá sede como tu me embebedas de saudade.
A verdade é que eu também desaprendi a dançar, por todo esse tropeço em laços.
Tentei até caminhar com teus sapatos, criei caso com calos nos pés, levantei, caí.
Louca de pedra que encontrastes no meio do caminho que bifurquei, saindo por aí.
Sã não sou mais entre ouros de Midas, com orelha de burro e canção embevecida.
Minha grandiloquente coragem cuida da tua distância através de janelas com grade. 
É agora por onde passa a imagem dessa ânsia por ver-te além, ao invés da partida.
Só disfarço alarde por me arder sem que outro me diga à cara que gosta e apanha.
Arranhas o peito d'uma covarde que a ti estranha, entreolhando o futuro destarte.

2 de novembro de 2011

Girassol x Giralua

Paola Benevides
Neste planeta, sobrevivência 
Sem sobra de dúvidas nem sombras em água. 
Gastos e desgastes a troco de gostos novos. 
(- Com pá, lavras a Terra?)
É a prova para dar. Paladar em teste. 
Pupa e crisálida quem souber voar.
Assim, plantar para colher, colher para mexer 
A sede com o quente desse chá.
Herança da relva crispada
Mas cheia de pólen, dentes-de-leão e sementes.
A muda dança, move-se para crescer em busto e Ar: arbusto de perecer. 
Embuste solar para um girassol tão carente de luz Que sua pelo caule já.
Murcha, a flor vira cruz serpenteada pela erva Daninha aos túmulos esquecidos. 
Giralua resistirá um dia, mesmo calada, renascendo Em hortas pelos jazigos.
Guiada via satélite, abrirá suas pétalas pálidas 
Em direção às estrelas mortas.

28 de outubro de 2011

A Náusea (Jean-Paul Sartre)


“Os homens. É preciso amar os homens. Os homens são admiráveis. Sinto vontade de vomitar – e de repente aqui está ela: a Náusea. Então é isso a Náusea: essa evidência ofuscante? Existo – o mundo existe -, e sei que o mundo existe. Isso é tudo. Mas tanto faz para mim. É estranho que tudo me seja tão indiferente: isso me assusta. Gostaria tanto de me abandonar, de deixar de ter consciência de minha existência, de dormir.  Mas não posso, sufoco: a existência penetra em mim por todos os lados, pelos olhos, pelo nariz, pela boca… e subitamente, de repente, o véu se rasga: compreendi, vi. A Náusea não me abandonou, e não creio que me abandone tão cedo; mas já não estou submetido a ela, já não se trata de uma doença, nem de um acesso passageiro: a Náusea sou eu.”

18 de outubro de 2011

Sou Todo Orelhas Esquerdas


Eu fui toda ouvido esquerdo, iluminada por Vincent van Gogh, ao ceder minha orelhinha com dois furos de brinco para o projeto do amigo artista plástico Leadro Rego. Encontre-a: é a quinta orelha da segunda coluna vertical e/ou a segunda orelha da quinta coluna horizontal.

3 de outubro de 2011

HÁ NORMAL?!

Aquela menina pouco tátil aprendeu a acarinhar com os silêncios, a articular-se melhor através de seus sorrisos e olhares múltiplos, por vezes mais melancólicos que irritadiços ou hormonalmente tensos, mas muitos. Eram vários mesmo. Percebia a sua peculiar feminilidade agredida quando ouvia queixas de namorado nas situações em que deixava de pronunciar seus nomes próprios, especialmente, em momentos nos quais ela se abstinha de usar os pronomes de tratamento mais adequados à maioria dos casais. "Meu bem" para cá, "amorzinho" para lá soavam distantes demais à sua ideia de intimidade com o outro. Para ela, uma alcunha curta ou um grunhidinho nas horas de afeto demonstrado já poderiam denunciar, quase que onomatopaicamente, o real sentimento, ao menos, o mais genuíno deles: o amor.

Compreendia o quanto era importante para a sociedade verbalizar os seus intentos vigentes, escancarar as suas sensações, porém, à ela pertencia um grande receio: o de vulgarizar certas virtudes, já tão desgastadas pelo uso. É como se as pessoas amassem a tudo e a todos da mesma maneira, sem atentar para as mais variadas nuanças de sentir, em suas rotinas moldadas pelos jargões de novela, pelos ditos impensados, pelos modismos atrelados às suas existências inconscientemente. Aquela moça, então rotulada de "autista" - em diagnóstico por comparação à mãe do vizinho, que leu na internet -, preferiu-se assim e riu-se (nem tão enigmática) da noção de saúde desses normais de mente ou dos dementes reais. 

Aos que cobravam de seu comportamento maior alento social, agradecia, pois lhe era dádiva ser apontada em melhoria, por sua humana condição e evolução espiritual. Entretanto, aos que zombavam de sua companhia, por não estar disposta a suprir carências ou a atender às expectativas alheias da mal dita perfeição, dedicava maior desprezo ou, fazendo uso de uma linguagem mais técnica, oferecia prazerosamente todo o seu déficit de atenção.

22 de setembro de 2011

Star Trek: The Next Generation "The Outcast" (1992)

Soren: I am female. I was born that way. I have had those feelings, those longings, all of my life. It is not unnatural. I am not sick because I feel this way. I do not need to be helped. I do not need to be cured. What I need, and what all of those who are like me need, is your understanding. And your compassion. We have not injured you in any way. And yet we are scorned and attacked. And all because we are different. What we do is no different from what you do. We talk and laugh. We complain about work. And we wonder about growing old. We talk about our families and we worry about the future. And we cry with each other when things seem hopeless. All of the loving things that you do with each other - that is what we do. And for that we are called misfits, and deviants and criminals. What right do you have to punish us? What right do you have to change us? What makes you think you can dictate how people love each other? 

13 de setembro de 2011

AERIAL



Tenho andado distraída... Acho que foi por isso mesmo que nasci. Nas nuvens? Se minha alma estivesse mais atenta antes de embarcar numa concepção, nem teria descido a esse cão de mundo. Caso você esteja se perguntando para quê tudo isso ou por que pareço injusta com a vida, deve estar um tanto mais disperso do que eu. Cultivo a mais profunda gratidão pelo que me alenta e, com todos os assombros possíveis, deixo-me guiar por outros tantos nefelibatas de espírito.

Já que agora estou encarnada, entro na chuva, piso na jaca, chuto o pau da barraca, quebro o pé, queimo a bandeira da pátria e asteio as asas só para me esbaldar nas cinzas de um porvir que ainda não me pertence. A Fênix retornará a qualquer menor demora. A outro planeta? Não pedi mesmo para nascer. Não perdi a esmo para amar. Não pendi ao quixotesmo para morrer. Meu signo é de ar.

12 de setembro de 2011

DESABAFO DE ONÇA ÀS VARAS CURTAS


Por: Paola Benevides

Frases soltas de gente despreparada em terreno mui fecundo só prolifera a mixórdia. São tais risadas e calças frouxas, incomodam, deslocam corpos por tamanha impropriedade. Há quem escreva como fale, transcrevendo ruídos de gases com sua maneira de pensar flatulenta. Emitem tolices. Cultivam toletes em forma de miolos. Pior também o zumbi que se pronuncia humano e ainda se farta desses cérebros alheios, sem se darem conta do mau-cheiro exalado por suas bocas após a comunhão com o escarrado, resvalado naquelas ideias de baixo calão, de baixar calção e obrar burras histórias. Influenciáveis por superfluidades. Estas pessoas sem senso deveriam nascer sem palavras ou, sob tortura, costurarem-lhe os lábios!

Por tantas ligações erradas, sotaques forçados, gritos de menino mal-criado por mães obtusas, por tanto gemido perdido dentro de falsos orgasmos, assobios de homens trabalhando alienados, histerismos de desamados, desafinos de desalmados, latidos de cães mal-tratados por donos em descalabro, acendam os candelabros, leiam e se calem, façam-me o favor!

7 de setembro de 2011

MÃOS À CABEÇA


Entradas nos cabelos convidam mãos a alcançarem qualquer halo escondido. Anjos perdidos vagam por aí com suas perucas, em disfarces sansônicos, mas as entradas na cabeça são como portais de homens maduros para encaixe de dígitos, para deslize de massagens. Mágica proporcionada pelo feminino aos meninos rapazes. Prestidigitação quase maternal que acaricia anjos pendidos por seu charme em V na testa, decote a ver bicos-de-viúva, quando ainda na Terra nos resta a veia cava, o carnaval e todos os seus penteados. Nasce-se careca, depois se fica de novo, sendo velho, e nunca se perde a ânsia por cafunés na nuca. Se bem que prefiro amaciar uns cachos como quem colhe cerejas, saboreando através dos dedos as frutas, como se a maciez no tato também proporcionasse um gosto já aceito. O fruto que cai em pelo feito eureka na cuca do gênio, a maçã capturada do paraíso de couros cabeludos. Ah, se crescessem os pensamentos nos homens como as suas mal-aparadas madeixas! Haveria menos queixas e mais boas lembranças adormecidas na palma. Ameixas pretas, castanhas tranças, onduladas louras, ruivas lisas, alhos em gris, oleosos por essência, albinos de ponta a ponta dupla, sararás-crioulo arrancando seus moicanos de ananás à chuva. O deslizar do pente vem como um rasgo de prazer à fronte, quando seus dentes de unha antes de ir para a cama proporcionam o último afago. Um bote para dormir que a tudo assanha.