25 de maio de 2011

Repetição

Há certas coisas que não mais precisam ser ditas. Ficam subentendidas. É como alguém lhe pedir para apagar a luz ao sair de um cômodo que não voltará a ser visitado tão cedo. Assim como se economiza energia, apaga-se também a boca quando necessário.

15 de maio de 2011

Corada

Poderia estapear caras pálidas a fim de realçar o bronzeado
Se me revidassem mais pesado, acentuar o roxo
Mandar para o cinza da prisão, deixar coxo
Vela e caixão em um paraíso escurento
Vermelho de raiva mesclado à paixão move isso
Em toda gente que tem sangue nas veias
Mas eu amarelo...

Adoraria uma surra de margaridas dessas vidas amargas

Ninguém tem coragem de se vingar com flores neutras

Por que a palavra pode significar mais que o gesto
E o gesto significar mais que o ato
A essas pessoas tão preto no branco?
Eu me espanto

O verde de esperar fica-se gasto
O azul vai ao fundo do abismo
Depois volta por algum acaso
Com tons pasteis de tranquilidade

Meu mundo é furta-cor
Rouba a graça dos que não são daltônicos
Para doar aos descorados sem prisma no olhar

Não ofendo

Minhas cores é que são fortes


8 de maio de 2011

De "CANTO A MIM MESMO"


Quem é que vai por aí?
WALT WHITMAN (1819-1892)

Quem é que vai por aí 
aflito, místico, nu?
Como é que eu tiro energia
da carne de boi que como?
O que é um homem, enfim?
O que é que eu sou?
O que é que vocês são?
Tudo o que eu digo que é meu,
vocês podem dizer que é de vocês:
de outro modo, escutar-me
seria perder tempo.
Não ando pelo mundo a lastimar
o que o mundo lastima em demasia:
que os meses sejam de vácuo
e o chão seja de lama
e podridão.
A gemer e acovardar-se,
cheio de pós para inválidos,
o conformismo pode ficar bem
para os de quarta categoria;
eu ponho o meu chapéu como bem quero,
dentro ou fora de portas.
Por que iria eu rezar?
Por que haveria eu de me curvar
e fazer rapapés?
Tendo até os estratos perquirido,
analisado até um fio de cabelo,
consultado doutores
e feito os cálculos apropriados,
eu não encontro gordura mais doce
do que a inserida em meus próprios ossos.
Em toda pessoa eu vejo a mim mesmo,
nem mais nem menos um grão de mostarda,
e o bem ou mal que falo de mim mesmo
falo dela também.
Sei que sou sólido e são,
para mim num permanente fluir
convergem os objetos do universo;
todos estão escritos para mim
e eu tenho de saber o que significa
o que está escrito.
Sei que sou imortal,
sei que esta minha órbita não pode
ser traçada
pelo compasso de um carpinteiro qualquer.
Sei que não passarei
assim que nem verruga de criança
que à noite se remove
com um alfinete flambado.
Eu sei que sou majestoso,
não vou tirar a paz do meu espírito
para mostrar quanto valho
ou para ser compreendido:
tenho visto que as leis elementares
jamais pedem desculpas.
(Eu reconheço que afinal de contas,
não levo meu orgulho
além do nível a que levo a minha casa.)
Existo como sou,
isso é o que basta:
se ninguém mais no mundo
toma conhecimento,
eu me sento contente;
e se cada um e todos
tomam conhecimento,
eu contente me sento.
Existe um mundo
que toma conhecimento,
e este é o maior para mim:
o mundo de mim mesmo.
Se a mim mesmo eu chegar hoje,
daqui a dez mil ou dez milhões de anos,
posso alcançá-lo agora bem-disposto
ou posso bem-disposto espetar mais.
O lugar de meus pés
está lavrado e ajustado em granito:
rio-me do que dizem ser dissolução
- conheço bem a amplitude do tempo.

Tradução: Eduardo Francisco Alves Geir Campos.

3 de maio de 2011

Dê florada



















Uma flor desperta alada.
E nem fazia sol.
No amor tecida,
Ela então falava:
Há pólen no meu lençol!
Paola Benevides

1 de maio de 2011

Possibilidades


E que fique muito mal explicado.
Não faço força para ser entendido.
Quem faz sentido é soldado.” 
Mário Quintana

Posso ser teu desencanto de unha, tua alcunha
Não a tua cunhã
Posso ser, veja, tudo o que me não adivinhares
Sou esse buquê único de milhares, flores-dores
Não erva de baixo arbusto
Meu busto será esculpido em mármore casto
Embebido pelo sêmen dos homens cabareicos
Ao lá se apoiarem com suas musas de rua
Serei anjo de catacumba
Sem bater macumba em dia de lua cheia
Posso ser, ainda, o assombro do verão
A primavera de mal-me-quer em tufão
E o inverno, fria feito o eterno
Sendo morte e sobre-vida
Tendo sorte, em contrapartida
Sem afugentar um nobre coração
Posso estar sóbria sendo levedura
Posso sentir ternura enquanto esfaqueiam minha calma
Sou cara de tapa, casa de taipa
Sou cabana, abracadabra
Que abana rabo de belzebu
Posso ser o cru da carne
O cu da coragem
O azul da fome
Posso ser teu nome, teu clone
Mas eu sou mais que colagem