31 de janeiro de 2012

AMOR

Eu queria que meu amor sobrasse para fustigar o mundo inteiro, para doar-me na medida que todos necessitassem. Queria um tanto de maternidade embutida, multiplicar os seios, a fim de acalentar e nutrir todos os meus rebentos por adoção não judicial. Queria ver proporções imensuráveis do meu carinho escorrer dos poros para dar de beber aos corações mais empedrados. Queria jorrar sorrisos na imensidão reprimida de tantas bocas, fazê-las cantar silenciosamente a audição do inexprimível. Queria expelir perfumes aos imundos, inebriar seus corpos com um elixir de ervas aromáticas, ser a panaceia das suas chagas, a cura de suas dores, dar longa vida a quem entornar todos os gargalos. Queria lavar com plena doçura na saliva a alma dos amargos, extrair as suas mágoas como quem arranca ervas-daninhas, aguar as sementes de renovação com toda calma, realizar a fotossíntese em respiração profunda, oxigenar os cérebros criadores na intenção de prosperarem nas próximas colheitas. Eu queria estender os braços aos desabrigados, ser casa com teto, janelas e portas escancaradas, sem precisarem me tomar de assalto. Queria ser o teletransporte dos que sentem saudade, a máquina do tempo para reavaliar algumas falhas ou mesmo ser a futuróloga que preverá o avesso de uma catástrofe global. Eu queria ser o olho que tudo vê para piscar no meio da cegueira, projetar nas paredes do estômago iluminação interior. Eu queria não ser o final feliz daquele casal, mas a felicidade infinita de todos com o seu todo indivisível. Eu queria não querer no pretérito imperfeito do indicativo, entretanto minha humanidade indica que tudo permite o pensamento ativo e desejar profundo é possível no plano imaterial. Aqui as verdades estão nuas. Portanto, eu quero sentir minha arte entranhar na alvura dos que propagam o bem, colorindo em toques sinestésicos a amplitude de se ser e de se sim no universo. Sejamamos a todos, enriquecendo-nos com as diferenças dos nossos iguais semelhantes.

Texto: Paola Benevides
Foto/efeitos: David Duarte

27 de janeiro de 2012

BOM SENSO



Por que fazermos pouco dos loucos nas ruas se o muito das nossas almas anda sem lares? Para que enchermos as caras em bares se viramos latas contendo altíssimo teor de vazio? Leia só por que eu não me rio da desgraça alheia. Por que eu não me sinto alheia a isso? Sou tão humana quanto a rainha, a fauna, a fome e a hora ganha dos achados e perdidos. Vejo tanta fé tacanha em jesuses que não fazem jus ao que prega o Deus de dentro de si. Cruzes!

Ao invés de partilharem o pão, partem coração, lambuzando-se em nãos requintadíssimos. Por qual desarrazoada razão o mundo cai assim? Sinto a comoção do medo: é um abismo. Lançam mão de querer saber da própria essência, aplaudindo ausência sem o menor ritmo. Música alta virou disfarce ruim para barulho de pensamentos que não conseguem conversar. Nem convencer que são tão portentosos quanto seus carros, caros amigos dos status unidos. Buzinas deveriam ser refreadas por esses cavalos de pau que se supõem os homens-máquina. Acidentalmente, cá estamos nós barroando com o destino a arrancar vidas dos que sorte não têm. 
Amém, amem ou não!

23 de janeiro de 2012

PRECISO OUVIR A PRÓPRIA VOZ


“You have to listen to your own voice. Not your heart, not your instincts, not any of that self-permissive psycho-babble stuff. No, none of that. If it was just about instincts and bright ideas it wouldn’t need to be a voice. It’s about words. You hear them, read them, then you write. But mostly read. Read the bloody poems.”
—Fleur Adcock, from an interview by Sally Vincent published in The Guardian, Sat 29 Jul 2000
E LER, MORMENTE. LER OS POEMAS DE SANGUE!
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15 de janeiro de 2012

ESCAVAÇÃO



Tenho brincos daqueles de plástico negro que imitam o azeviche, duas bolotas inchadas nas alvas orelhas. Venho de uma barriga tetra-abortada, com um irmão mais velho. Quero me embeber no âmbar quando morrer, feito escaravelho*.


*Besouro pesado e colorido, adorado pelos antigos egípcios. A fêmea do escaravelho sagrado prepara uma bolinha de excremento, às vezes cobertas de barro, na qual põe o ovo e enterra depois de empurrá-la a certa distância. No Egito Antigo, os escaravelhos eram seres sagrados, sendo usados como amuletos relacionados com a vida após a morte e a ressurreição. Eram muito usados nas mumificações para proteger o morto no caminho para o além.