17 de março de 2013

ESTIMO MELHORAS

Um daqueles dias para se riscar da agenda ou nele marcar um X dos mais garrafais. Pensamentos trevosos me arrancaram da cama desde a madrugada, adentraram a manhã cacarejando vertigens por sobre outras viagens. A tarde, já com compromissos cancelados, permitiu que eu descobrisse novos percursos com a bicicleta, meio de transporte que havia aposentado sem ter usufruído tanto por conta de uma recomendação médica. Passei esses últimos meses acreditando fortemente em minha vulnerabilidade, para não dizer na minha morte súbita, após o diagnóstico de carregar um coração com defeito de fábrica. Tive a má sorte de ouvir da boca hipocondríaca do cardiologista da família que eu estava fadada a uma vida com exames frequentes, sendo um cateterismo a próxima intervenção a ser imposta, caso eu quisesse viver normalmente. Até lá, estava expressamente proibida de praticar exercícios.

Deprimi. Ao menos, uma boa notícia surgiu posteriormente. O doutor, que hesitou ao analisar ultrassonografias anteriores e contou o caso de sua mãe que morrera precocemente por temer entrar na faca, recomendou-me uma segunda opinião, indicando uma visita ao médico de sua confiança, que operava até criancinhas. Percebi o peso da sua sobriedade quando, ao adentrar a décima clínica, fui recebida com todo carinho - a começar pela recepcionista, que me pôs na frente de outros pacientes e me serviu capuccino. O gesto compensou todas as esperas indignas já vivenciadas em hospitais. Ela foi categórica ao afirmar: Fique tranquila, eu confio plenamente no homem com quem trabalho. Fui chamada à sala do meu salvador minutos depois de o novo papa ter aparecido na tevê. Ele me apertou a mão seguro de si, passou a vista nos exames, escutou e me auscultou, então me disse - enquanto rasgava o encaminhamento ao cateter: avise-me sobre a inauguração da sua bike ainda esta noite e venha me visitar anualmente. Sua pressão está normalíssima, 12 por 8. Tire essa ideia de estar doente da cabeça! Foi um dos dias mais confusos e felizes da minha existência. Não só por mim, mas por familiares e pessoas próximas terem tirado algumas toneladas de preocupação dos ombros. O sofrimento acabou. Até um guru me dedicou suas preces diretamente da Índia, humildemente. Renovei minha fé em Deus e em alguns poucos humanos, tenho precisado mesmo renovar a fé em mim, além de tudo, cuidar da meta e da física devidamente.

Estranhamente, era para eu me sentir mais forte depois desse pesadelo, mas a vida não nos poupa. Cada nascer de sol parece vir acompanhado de uma escuridão, um leão para domesticar e alimentar com ração cara. Esse felino feroz chamado medo tem afiado os dentes em minhas membranas cardíacas. Iniciei uma terapia para tentar encontrar o eixo em meio ao povo, dentro de mim, no sim que me confia. Tenho me enraivecido com quem se devota a criticar, duvidar, controlar, cercar minhas idiossincrasias. O telefone não me deixou escapar do isolamento, quando tentei provocar o sono cedo da noite. De um lado, uns preocupados comigo, de outro, outros preocupados consigo mesmos. Que bom que choveu para apaziguar as sensações, porque meu sangue rugiu, quis mandar à puta que pariu toda intervenção cirúrgia e toda intromissão espiritual. Mas, por hora, propagar o mal não é minha honoris causa.