3 de março de 2013

CICLISTA

A fusão do esqueleto com a bicicleta me constitui uma nova espécime minotáurica. Sobre duas rodas, ganho maior mobilidade para cultivar prudência nas descidas e força nas subidas, carregando esta metáfora dentro de um equilíbrio quase perfeito, entre o íngreme e o plano. Sinto alguma divindade me mover dentro dessa ampulheta repleta de poeira da estrada, ao me por de pé, de tempos em tempos. Assim é a vida, um globo da morte dentro do circo, com mudanças constantes de propósito a nos exigir pontuais passagens de marcha, a fim de não nos perder em ritmo, nem nos deixar ultrapassar sinais mais do que claros. 

Desviar dos obstáculos me faz olhar para o chão a se mover bem por debaixo, leva-me a reconhecer minhas raízes e meus próprios buracos. Pedrinhas, montes de areia, cacos de vidro, castanholas atropeladas na calçada. Por vezes, não há acostamento, os automóveis tiram um fino do braço da gente, propagando o vácuo. Concentração em linha reta, a qualquer hesitação inesperada, um ônibus pode espremer o distraído corpo que pedala até o suco. Humores escorrem na testa até pingar do queixo. Um gesticular ligeiro me tira a franja do rosto. Quando a rua se desnuda no domingo, dá para abrir os braços. O vento libera sorrisos fortuitos ao me beijar as bochechas rosadas pela circulação sanguínea intensificada. Facilmente, viro flamingo e me voo.

Dirijo sem rumo exato, fitando a paisagem da gema solar crestar no horizonte, tendo uma casa para regressar às claras da  lua, sem bater nos postes. Ainda não tenho lanternas, mas há quem me oriente. Meus olhos paqueram o pisca-alerta dos outros enquanto refreio a coragem em curvas fechadas, na contradança, para esquerda e para direita. Sigo em ciclos, na pista, esta sustentável valsa. Sou a mais nova ciclista. Não poluo, só propago o amor através dos moldes das minhas rodas impressas no asfalto.

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