25 de janeiro de 2009

Sou involuntária!

eu estava cansada de tentar ser o que você achava que sou. Tem um lado mau—o mais forte e o que predominava, embora eu tenha tentado esconder por causa de você—nesse lado forte eu sou uma vaca, sou uma cavala livre e que pateia no chão, sou mulher da rua, sou vagabunda—e não uma 'letrada'. Sei que sou inteligente e que às vezes escondo isso para não ofender os outros com minha inteligência, eu que sou uma subconsciente.


(...)


Em algum lugar existe uma coisa escrita no muro. E é para mim. Das chamas do Inferno virá um telegrama fresco para mim. E nunca mais minha esperança será decepcionada. Nunca. Nunca mais.


(...)


O ar tinha gosto de sábado. E de súbito os dois eram raros, a raridade no ar. Eles se sentiam raros, não fazendo parte das mil pessoas que andavam pelas ruas. Os dois às vezes eram coniventes, tinham uma vida secreta porque ninguém os compreenderia. E mesmo porque os raros são perseguidos pelo povo que não tolera a insultante ofensa dos que se diferenciavam. Eles escondiam o amor deles para não ferir os olhos dos outros de inveja. Para não feri-los com uma centelha luminosa demais para olhos.


CLARICE LISPECTOR, Onde Estivestes de Noite, Rocco, 1974, p.19.

Um comentário:

Anônimo disse...

tinha gostado muito achando que era vocÊ a autora. gostei menos quando soube que não era. meio cansado de frau klarice. ainda me consola saber que é um pouco seu de incerto modo. quando já tão pouco me consola.