3 de novembro de 2013

DOMINICAL

Domingos têm cheiro de chuva, mesmo quando faz sol. Demão de cal nas paredes de casa, mormaço nos terraços. Às vezes praia, às vezes futebol. Mais tempo debaixo dos lençóis, a sós ou não, pela certeza ameaçadora do dia seguinte, que já chegou atrasado no trabalho. Almoço em família pedido por telefone. Preguiça de chegar. Apetite perdido. Os carros rareiam pelas ruas mortas, enquanto os assaltos andam de motocicleta. Domingo parece um outono, febril com suas quedas de árvore, quebras de perna a quem não vai para lugar algum, dor de cabeça a quem amanhece de ressaca. Domingo, estatisticamente, apresenta os mais altos índices suicidas, quando das tentativas de enforcar as segundas-feiras. Asneiras em todos os canais abertos. Nos fechados, a TV por assinatura reexibe clássicos do suspense Hitchcockeano, tão desgastados quanto dentes em unhas roídas.

Domingo tem cheiro de baralho sobre a mesa, espirros de criança brincando na calçada, pela poeira da faxina a abrir a semana. Domingo não engana ninguém, tem olheiras e cabelos desgrenhados, visitas inesperadas e muita solidão, também. Domingo da fossa estourada, da disenteria empostada na voz do cantor sertanejo, do som do carro daquele vizinho que não precisa levantar cedo amanhã por culpa da cachaça. Domingo tem medo do fim, da insônia e da liberdade. Domingo abarrota os cinemas com casais e pizzarias com celulares iluminando rostos que não se cruzam em olhares por mais do que cinco minutos. Domingo se levanta para fumar lá fora e avista os amigos conversarem sobre amenidades. Domingo segrega. Domingo aplica a prova do vestibular, encabula o aluno mais gabaritado até prestar concurso. Domingo de judeu, resguardado, com ceia, enceradeira, louça malsã que se quebra à cabeça do marido. Domingo desapaixonado, cheirando a café na mamadeira posto por engano.

Domingo, dia de missa e fofoca na praça, paquera entre pipocas, dondocas em casamento. Domingo das velhinhas reclamonas, dos jornais escondendo os semblantes cansados, dos livros pesados sobre a perna. Domingo de momentos enquadrados nos porta-retratos. Domingo dos certos e errados, das lembranças esquecidas pelo mal de Alzheimer, do amarelo ralo nas cartas há tempos fechadas naquela caixa da parte superior do guarda-roupa. Domingo cheio de pratos para lavar, depois, sentar no sofá e fazer um balanço das horas vindouras. Domingo é um planejamento do próximo domingo, dia de chorar sem cortar cebolas e andar de ceroulas pelo apartamento. Domingo que é domingo faz as pazes consigo, numa boa.

Um comentário:

Aíla Sampaio disse...

Perfeito... quem é sensível sente assim...