22 de julho de 2012

IMERSÃO




O banheiro sempre foi um dos lugares mais propícios à reflexão constante, à conversa interior, ao canto ecoado, paradoxalmente estendido pela estreiteza das paredes azulejadas, ao exercício de ser em nudez absoluta. Quantas vezes sentei-me no trono esquecida da minha majestade, por chorar escondida dos outros, mas nunca de mim, por segredar desejos, evacuar vontades, meditar para um deus humano em demasia, por aproximar-me tanto de tantas verdades impressas no tempo desgastado das cerdas das escovas de dente ou nos pelos das toalhas que vão perdendo o colorido e a aspereza a cada banho, com os ralos aparando o grosso teor das células mortas, urina, catarro e cabelos.

Lá já escorreguei, vomitei, gozei e caí. Fiquei horas deitada no chão pensando na vida, em como poderia ser o decurso dela. Já procrastinei estudo e trabalho lavando o rosto a cada trinta minutos, sem que houvesse suor, nem o menor sinal de oleosidade na pele, só pela ânsia da partida dos locais aos quais me inadequei e pela saudade do encontro com meu eu mais próximo, desmascarado de padrões, patrões ou correntes. Resguardada do medo, retoquei penteado e maquiagem, ensaiei meus próximos movimentos e falas, como se o mundo fosse um teatro shakespeariano. Mas era... Muito li enquanto aliviava outras necessidades, cometendo um ato de privacidade meio anfíbia, feito aquelas pererecas que conseguem invadir o box e querem ter um pé na água, outro no piso, fugindo da realidade pedregosa em terreno liso, escorregadio. 

Ainda hoje, aprecio confessar caretas para o espelho, desafiar-me com o olhar e o corpo, treinando um Strip-tease com bocas e caras antes do chuveiro, até conversar em outras línguas, puxando da alma alguns personagens latentes, estrangeiros de si próprios. Seja em casa ou no shopping, nos bares ou em restaurantes, sempre há uma cabine vaga a me fazer divagar por um momento. Os sanitários públicos mais limpos me permitem confidenciar com algum conforto as tragicomédias da vida, quando não, a imundície rabiscada nas portas, variando entre recados de amor pornográficos, a poemas de Charles Bukovski verdadeiramente me libertam.

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