A frase que acena para esta postagem é do Oswald de Andrade, considerado o modernista mais inovador e rebelde de seu tempo, se de vanguarda, então além. Ela está no encarte do último disco da Legião Urbana, a banda de rock de preferência nacional, a mais proeminente em fervores líricos, eu diria, ao menos para mim. Confessadamente, faz parte do meu acervo pessoal em completude, haja vista possuir a discografia em CDs originais (raro K7 ou LP) apenas de dois grupos, os meus favoritos desde sempre: Legião Urbana e U2.
Mesmo tendo plena consciência de suas influências explícitas na música internacional (do pós-punk), por terem bebido na fonte de nada menos que The Smiths, The Cure e tantas outras, o valor expresso por suas canções acaba sobrepondo qualquer comparação meramente estética pela paixão suscitada em tantos jovens - os de ontem e os de hoje. Lembro de ter minhas audições constantemente interrompidas pelo meu irmão, na época, ao qual sempre devotei um grande respeito, não só por aquela concepção de ser o mais velho, mas principalmente por manjar muito bem desse assunto, apesar das implicâncias. Ele torcia o nariz em críticas ferinas ao gestual Morrisseyniano do Renato, aos timbres de guitarra similaríssimos aos de fulano e beltrano, os quais passei a garimpar por curiosidade quase instantânea. Isso nunca tirou os méritos de ninguém, pelo contrário, continuei gostando com lucidez e, melhor ainda, com o bom gosto estendido a outras searas musicais.
Especialmente pelas letras de Renato Manfredini Jr., o Russo, é que me sinto sensibilizada, tornei-me mais humanizada e amadurecida dos meus onze anos pra cá. Não seria tanto se revelasse que meu gosto pela escrita se aflorou a partir daí, na adolescência. Abastecia-me de encantamentos em minha introspecção naquela época, viajando nas melodias, brincando de tocar teclado no jardim da minha antiga casa ou mesmo cantando trancada no quarto, fazendo performances para mim mesma. Ensimesmada nem tanto, levando em conta que compartilhava o som alto com os vizinhos e alguns deles respondiam com mais Legião da janela. Era bonito de se ver. Período deliciosamente solitário, a não ser quando ia para a escola e compartilhava discos, álbuns de foto dos ídolos, revistas ShowBizz, cadernos com poesia e rabiscos.
Os tempos de escola chegavam ao fim. No terceiro ano do ensino médio, pré-vestibulanda ainda, conheci uma menina mais tímida do que eu. Ela se chamava Natália, era brilhante, o primeiro lugar geral e aquele blá-blá-blá todo que faziam em torno dela a incomodava veementemente. Vêm à mente agora as bochechas dela ficando cor cereja por tudo isso... Sempre soube que o que mais a instigava era falar sobre rock e livros com alguns poucos colegas, senão falar, era mais de ouvir. Afinidades, exceto pelos conflitos interiores pesadíssimos com os quais ela se defrontava quando eu emprestei o disco A Tempestade ou O Livro dos Dias, este aqui do link disponibilizado na íntegra.
Eu me culpava por ter feito isso naquele momento de tamanha crise, porque julgava as canções por demais tristes. Natália suicidou-se e a atmosfera dessas músicas me marcou deverasmente. Reouvi-las hoje já me traz frescor à alma, pois percebo mensagens bastante positivas cantadas por Renato nas entrelinhas, por mais que este álbum tenha selado a sua morte (favor considerar aqui a sua partida como uma temporada pela eternidade e um rico aparato para esta juventude).
Tenho estranhado minhas tripas em nó, temo que elas encontrem o coração logo cedo pela manhã e eu não acorde para a vida sem massagem cardiorrespiratória, piratória nossa, senhora desaparecida. Minha garganta tem doído, também meu colo um dia adúltero. Seriam os estridentes pesadelos sufocando até o grito dos antepassados-batidos? Tendo a pensar que só se deve cortar o mal pela raiz na base do pescoço e à base de muita pancada. Minha cabeça parece um coco cheio de vida e pensamento que caiu do pé ainda verde, distribuindo doçura ao mesmo tempo que mata toda a sede. É dura a casca, mas quem me sabe por dentro de verdade engole meu grude, meu lado mais rude e meu açude inteiro, jamais será náufrago. Vermelho o viço dessa visceralma que mancha lábios verborrágicos de tanto batom. É alto o mar e já se avista com perigo a vinda do próximo paquete (A expressão "estar de paquete" é ocasionalmente usada por razões históricas[1] para se referir a mulheres em seu período de menstruação. Outras fontes sugerem diferente explicação: Tal referência se deu por comparação entre o tempo exato de 28 dias para realizar o trajeto entre o Rio de Janeiro e Liverpool, no Reino Unido, pelos novos navios a vapor (os paquetes) e o ciclo menstrual.)
Uma lápide de mármore carrara eternizaria mortais? O Renascentismo que o diga com seu David de Michelangelo. Causa mortis: intoxicação por calcário. O calvário da Vênus de Milo lapidaria a saudade dos que não mais se encontram nesta vida? Um estatuário de comoções engessadas pelo tempo os vivificaria, portanto.
Pôr uma pedra sobre tudo o que existiu seria extermínio das lembranças mais queridas, mas há de se registrar quem bateu seus pés aqui por sobre a Terra. Há vários chãos de se viver e também muitas terras batidas. Bater as botas limparia todos os passos cometidos, mesmo os que se encaminharam à memória. Uma inscrição na pele e nos átrios da alma, só a morte de um filho.
Bem que o céu podia se estilhaçar agora no chão só para eu ter o aconchego de um frio natural, sem aquele calafrio forjado de todos os lugares com ar-condicionado, e então embalar meu sono-neném debaixo de cobertas bem grossas.
Queria o afago do vento em meus cabelos feito mão de namorado e meu corpo a roçar o calor do colchão tal um sem-teto descobrindo-se em seu próprio lar telhado.
Aconchego maior esse de concha a abraçar nácar até se transformar em pérola-madre. Mãe é casa onde a gente passou meses a morar, moldar, para depois partir. Mundo é meio de rua, cansa a gente de tanto rodar. O que atenua a vertigem é ter por que andar, mesmo que não se tenha perna nenhuma.
Sou janela para porta emperrada. Não precisa meter o pé! Deixo entrar e sair os dias através das frestas da tarde, abrindo e fechando o cortinado estelar como bem o faz a névoa da noite. Protejo do frio. Observo paisagens, aponto pessoas a passar na minha frente e também as faço pular de mim, quando querem brincar de ser pássaros. Às vezes, sorrio. Quando não, eu me tranco. Mas espiono a todo instante.
Uma janela, fenestra[1] ou ventana[2] é uma abertura num elemento de vedação arquitetônica, como uma parede. Ela possibilita a ventilação e insolação dos ambientes internos. A palavra assumiu diversos significados devido a esta acepção, em geral relacionando-a com a idéia de vazio. Por remeter ao exterior, pode ser considerada como ângulo devisão, pois permite a entrada de elementos comoluzear, mas também possibilita a extensão do olhar como um indivíduo que participa da ação observada. É o símbolo da receptividade, da abertura para as influências vindas de fora, da entrada da luz. Representa também a sensibilidade às influências externas. A janela pode ainda ser considerada como sendo um símbolo da consciência, ou um portal para o inconsciente.
Em francês, a expressão "L'esprit de L'escalier", cuja tradução literal significa "O espírito da Escada" representa pensar em uma resposta esperta quando já é tarde demais. A frase pode ser usada para descrever uma resposta a um insulto, argumento ou comentário inteligente ou esperto do interlocutor que chega tarde demais para ter alguma utilidade. Depois de ir embora, (descendo a escada da tribuna - daí a origem da expressão), encerrar o encontro (tarde de mais) a pessoa encontra a frase justa que teria sido a resposta necessária para seu oponente. O fenômeno é geralmente acompanhado por um sentimento de arrependimento por não ter pensado na resposta quando ela mais era necessária ou adequada.
O espírito da escada também poderia ser uma frase que poderia ter decidido a discussão se não fosse pelo fato de já ser tarde demais. A expressão foi usada originalmente no livroParadoxe sur le ComédiendeDiderot.