Aquela menina pouco tátil aprendeu a acarinhar com os silêncios, a articular-se melhor através de seus sorrisos e olhares múltiplos, por vezes mais melancólicos que irritadiços ou hormonalmente tensos, mas muitos. Eram vários mesmo. Percebia a sua peculiar feminilidade agredida quando ouvia queixas de namorado nas situações em que deixava de pronunciar seus nomes próprios, especialmente, em momentos nos quais ela se abstinha de usar os pronomes de tratamento mais adequados à maioria dos casais. "Meu bem" para cá, "amorzinho" para lá soavam distantes demais à sua ideia de intimidade com o outro. Para ela, uma alcunha curta ou um grunhidinho nas horas de afeto demonstrado já poderiam denunciar, quase que onomatopaicamente, o real sentimento, ao menos, o mais genuíno deles: o amor.
Compreendia o quanto era importante para a sociedade verbalizar os seus intentos vigentes, escancarar as suas sensações, porém, à ela pertencia um grande receio: o de vulgarizar certas virtudes, já tão desgastadas pelo uso. É como se as pessoas amassem a tudo e a todos da mesma maneira, sem atentar para as mais variadas nuanças de sentir, em suas rotinas moldadas pelos jargões de novela, pelos ditos impensados, pelos modismos atrelados às suas existências inconscientemente. Aquela moça, então rotulada de "autista" - em diagnóstico por comparação à mãe do vizinho, que leu na internet -, preferiu-se assim e riu-se (nem tão enigmática) da noção de saúde desses normais de mente ou dos dementes reais.
Aos que cobravam de seu comportamento maior alento social, agradecia, pois lhe era dádiva ser apontada em melhoria, por sua humana condição e evolução espiritual. Entretanto, aos que zombavam de sua companhia, por não estar disposta a suprir carências ou a atender às expectativas alheias da mal dita perfeição, dedicava maior desprezo ou, fazendo uso de uma linguagem mais técnica, oferecia prazerosamente todo o seu déficit de atenção.