31 de março de 2013

PAIXÃO




















Um oco fundo resvalando a alma
Uma sutura com a linha apodrecida por esquecimento
Um cabelo raspado pelo câncer
Uma lágrima sobressaltada feito veia no rosto
Um cristo empapuçado de sangue
Uma escopeta enfiada na cabeça de um pai de família
Um urubu esfomeado por sua carcaça
Uma dor seca que não quer descer a garganta
Um prato arremessado na cara do mendigo
Uma guerra atômica dentro do estômago
Um travesti espancado na rua até a morte
Uma menina com birra a decapitar sua boneca
Um psicopata metralhando o semestre letivo
Uma cadeira elétrica sem máscara para o condenado
Um olho saltando da caixa
Uma coleção de baratas dentro da gaveta das facas
Um foco perdido no segredo do abismo
Uma estrela de seis pontas a rodar sem mapa astral
Um equilibrista bêbado a mirar arco e flecha na maçã
Uma testa atingida bem no alvo
Um solavanco no abdome do filho que não veio
Uma mulher abandonada pelo sistema
Um bebê aborto a bordo nos braços do timoneiro
Uma tropa de soldados falópio a tocar trombetas
Um poema impronunciável pelo papa
Uma fogueira alimentada por bruxas medievais
Um templo que aliena crédulos sem tantos princípios
Uma biblioteca fechada por séculos
Um medo de se ser o que é pelo julgo da unanimidade
Uma selva de pedradas na cara lisa do pastor é mérito
Um dromedário a dar coices no deserto
Uma farmácia a traficar novos vícios sem cura
Um arbusto de ervas daninhas em cada esquina
Uma bolsa roubada na frente da polícia
Um mundo intragável cheirando a fumo
Uma carne intransponível sem que arda
Um avanço na tecnologia de ponta cabeça
Uma pútrida pátria a se refestelar com o dinheiro público
Um índio sem oca, um saci tetraplégico
Uma televisão sem o botão Desliga
Um órfão de amigos
Uma mente lobotomizada pela existência
Um caco de vidro por dia na sola do pé
Uma ré no atropelado
Um amor sem fé

29 de março de 2013

MELATONINA


Tão irrequieta quanto um INRI Cristo ensaiando seu martírio pós-moderno em cruz espinhenta, tenho trocado o dia pela noite há incerto tempo para trabalhar e me ocupar do artístico ócio. O silêncio da madrugada tem me propiciado atividades intelectuais bem mais intensas, haja vista, atuando como freelancer, ter-me encaixado a este biorritmo. Porém, as cobranças internas me exigem uma readaptação a horários menos anticonvencionais. Isto porque, cientificamente falando, há um hormônio deveras importante que é gerado pelo organismo durante a noite: a melatonina. O escuro ativa a produção dessa substância que, caso nos falte, provoca insônia, acelerando o envelhecimento. Não à toa, sempre ouvi meus pais dizerem: "um dia perdido de sono é menos um dia de vida". De fato, a repercussão tenho sentido na pele, com olheiras e acnes se alastrando. Além disso, o desconforto de andar quase sempre mal-humorada, com a alimentação desregrada, pondo a perder manhãs inteiras e parte da tarde.

A solução para rearranjar minhas dormidas foi compartilhada por um amigo psicanalista, que indicou um suplemento alimentar à base de N-acetil-5-metoxitriptamina. Esse regulador do sono é totalmente natural e sequer causa dependência. Apenas se exige que os aparelhinhos tecnológicos sejam desligados e que as luzes sejam completamente apagadas horas antes de se prostrar o corpo. Vale acrescentar que se nutrir de pensamentos tranquilos, como em meditação, imaginando paisagens ou mesmo ouvindo discos que reproduzem sons da natureza, por exemplo, também auxilia o espírito a preservar telas mentais saudáveis, repercutindo em melhor qualidade de vida. Afinal, é o que se projeta antes de adormecer, de preferência mantendo o subconsciente aberto a absorver vibrações positivas, que nos faz sentir mais satisfeitos e alegres no dia a dia. Tomemos o sol para a prática de exercícios físicos. Cansaço também ajuda a pregar os olhos, reforçando nosso metabolismo.

27 de março de 2013

PLUG-IN!


Nem sempre deitar o corpo dá a carga por abastecida
Ao sonhar, favor desplugar o sono e acordar pra vida!


25 de março de 2013

SIDERAÇÕES





















Esta noite, 
nuvens-losango celestiaram 
imensa colcha de retalhos. 

Cenário desestrelado 

e não menos magnífico, 
a convidar muita chuva.

Lua virou lanterna 

na mão de um deus guri, 
a lumiescer entre as costuras.

Ali, sob as cobertas, brincava 

como quem conta histórias
na falta de luz.

Podíamos ouvir tudo 

através do vento, 
do silêncio à maré, 
até amanhecer.

O mesmo ser 

que medra no escuro,
transforma lodo em pedra 
e ainda cria fogo.

Braço dobrado 

debaixo da cabeça em sonho 
era o travesseiro do passado.

Mas aqueles céus de hoje

nos elevam para longe 
desse pensamento eclipsado.

23 de março de 2013

BRINCADEIRA




Pareço parada, mas não cesso de crescer.
Tem doído que é uma loucura quando eu mudo. 
O ser fica mais calado, elástico e sem rangido.
No mundo, tem doido para tudo.
Nosso fado é, pelo que nem foi lido, perceber.

21 de março de 2013

ACIMA


Altive o rosto pintado de esperança
Leve um tombo se for preciso
O nada que cai do céu já é alguma coisa
Até cocô de espírito-santo dá sorte

19 de março de 2013

VÉU


Sempre que a proporção do NÃO é de 10 para 1 SIM
Sente vontade de vomitar umas verdades em boca surda
Dizer a escabrosidade da mais absurda e vender o rim

Mentiroso é quem não acredita em si mesmo
A língua pode ser cotonete no ouvido do outro
Desentupindo ou ferindo por um tapa à esmo
Como quando alguém menciona um torto passado

Gira o tonto de tão leve, ave urbana
Tendo perdido a gravidade das coisas
Pende para o alto pensando nela, insana
Voa da janela e dá de cara com o asfalto:

- BUFO!

Os superficiais são mais felizes?
Apaixonam-se por atrizes
Por não aceitarem desposar a realidade

Detrás da pose, possessivos, não têm nada
Só alma que perdeu matiz de tanto posta a lavar
Encharcada, pesada, encardida sempre
Enfeiando varais dos próximos casais a saírem do ventre
Livres

17 de março de 2013

ESTIMO MELHORAS

Um daqueles dias para se riscar da agenda ou nele marcar um X dos mais garrafais. Pensamentos trevosos me arrancaram da cama desde a madrugada, adentraram a manhã cacarejando vertigens por sobre outras viagens. A tarde, já com compromissos cancelados, permitiu que eu descobrisse novos percursos com a bicicleta, meio de transporte que havia aposentado sem ter usufruído tanto por conta de uma recomendação médica. Passei esses últimos meses acreditando fortemente em minha vulnerabilidade, para não dizer na minha morte súbita, após o diagnóstico de carregar um coração com defeito de fábrica. Tive a má sorte de ouvir da boca hipocondríaca do cardiologista da família que eu estava fadada a uma vida com exames frequentes, sendo um cateterismo a próxima intervenção a ser imposta, caso eu quisesse viver normalmente. Até lá, estava expressamente proibida de praticar exercícios.

Deprimi. Ao menos, uma boa notícia surgiu posteriormente. O doutor, que hesitou ao analisar ultrassonografias anteriores e contou o caso de sua mãe que morrera precocemente por temer entrar na faca, recomendou-me uma segunda opinião, indicando uma visita ao médico de sua confiança, que operava até criancinhas. Percebi o peso da sua sobriedade quando, ao adentrar a décima clínica, fui recebida com todo carinho - a começar pela recepcionista, que me pôs na frente de outros pacientes e me serviu capuccino. O gesto compensou todas as esperas indignas já vivenciadas em hospitais. Ela foi categórica ao afirmar: Fique tranquila, eu confio plenamente no homem com quem trabalho. Fui chamada à sala do meu salvador minutos depois de o novo papa ter aparecido na tevê. Ele me apertou a mão seguro de si, passou a vista nos exames, escutou e me auscultou, então me disse - enquanto rasgava o encaminhamento ao cateter: avise-me sobre a inauguração da sua bike ainda esta noite e venha me visitar anualmente. Sua pressão está normalíssima, 12 por 8. Tire essa ideia de estar doente da cabeça! Foi um dos dias mais confusos e felizes da minha existência. Não só por mim, mas por familiares e pessoas próximas terem tirado algumas toneladas de preocupação dos ombros. O sofrimento acabou. Até um guru me dedicou suas preces diretamente da Índia, humildemente. Renovei minha fé em Deus e em alguns poucos humanos, tenho precisado mesmo renovar a fé em mim, além de tudo, cuidar da meta e da física devidamente.

Estranhamente, era para eu me sentir mais forte depois desse pesadelo, mas a vida não nos poupa. Cada nascer de sol parece vir acompanhado de uma escuridão, um leão para domesticar e alimentar com ração cara. Esse felino feroz chamado medo tem afiado os dentes em minhas membranas cardíacas. Iniciei uma terapia para tentar encontrar o eixo em meio ao povo, dentro de mim, no sim que me confia. Tenho me enraivecido com quem se devota a criticar, duvidar, controlar, cercar minhas idiossincrasias. O telefone não me deixou escapar do isolamento, quando tentei provocar o sono cedo da noite. De um lado, uns preocupados comigo, de outro, outros preocupados consigo mesmos. Que bom que choveu para apaziguar as sensações, porque meu sangue rugiu, quis mandar à puta que pariu toda intervenção cirúrgia e toda intromissão espiritual. Mas, por hora, propagar o mal não é minha honoris causa.

15 de março de 2013

PODERES

Que se faça a luz por entre os flancos. 
Que a erva se reproduza entre os mais ressequidos galhos. 
Que os gargalhos produzam faíscas por detrás dos dentes. 
Que seres viventes se restaurem com chama prolongada a incensar o infinito. 
Que as matas abertas não se matem pelas mãos e mentes fechadas do homem. 
Que as cavernas desmoronem sozinhas enquanto servirem de casas platônicas. 
Que o aquecedor se desligue e cause muitos abraços. 
Que as tempestades distraiam amantes sob as cobertas e o sol abra nuages.
Que as viagens dos nossos deuses de gesso sejam interplanetárias. 
Que o café seja tão expresso quanto a fumaça e da graça se beba.
Que o pretume esterele o que o branco sugere dentro do ser.
Que o ovo se frite no espaço e vire OVNI.

13 de março de 2013

12 POR 8

Cathy Rose


Uma cegueira saramaguiana adentrando o dia seguinte na madrugada com uma carga branca de hospital pintado a mãos de cal pesadas. Eu queria ter amanhecido em formato de pardal e voar por sobre todo o escombro sem respirar poeira tóxica. Não sei como consegui me soerguer mesmo sem asas, apesar da densidade petrolífica a embeber meu perispírito. Carreguei a boa notícia no bico como um galhinho de arruda. 

Era a própria árvore, jacarandá. Ganhei maçãs rubras no rosto, face à felicidade do óbvio, pios e rodopios em amarelo vivo. Pude ver sem os efeitos do ópio. A cura pairou em minha residência, deu resistência ao corpo, leveza a outrem, antes avião pousado em fio de tensão alta. Cresci. Nesse dia, todos foram transmutados em pluma. Os desavisados quiseram amputar meu equilíbrio como se não houvesse salvação e agora conquistei mais duas pernas, mais linhas tortas, mais aortas férteis de todo sangue rícino. Meu coração. A duras penas, empedradas, destruí castelo e tijolei mansão. 

Em breve, estarei quase pronta para uma outra que também sou eu. Tonta em tentação pelo que é reto, a mostrar para meu feto uma geração redimensionada em artérias e artimanhas, mantendo a pressão ideal. Auscultarei caules a saber com que Barros Manoel faz sua poesia e com que barro João faz sua casa. Ouve:

 

10 de março de 2013

SEM ALÇAS

Uma intuição ancestral me indica o caminhar a partir dos caminhos que teço. Fundamental é seguir, não importa a quem ou a quê, mas ir em frente com o que se tem na trilha. Ser. A continuidade do percurso me dirá com quais setas comporei uma bússola, se com gravetos achados no chão batido ou com afiadas agulhas de coser o frio. Sinto. Um terço do rumo já foi amortecido pelo tempo. Calos criados, especialmente nas cordas vocais dos que engolem tudo em seco, por isso, minha fala se predispõe a tantos relatos, mesmo calados. Tossirei o que me incomoda com a mesma delicadeza de uma partícula de poeira adentrando as narinas. Mãos à boca!

Este diário de bordo começa com um passado carregado de maletas pesadas, pela inadvertência do impulso de me aventurar por paragens as mais diversas, por não saber direito o que levar ou deixar para além das costas. Se adversas ou favoráveis, valem as viagens que me servirem de aprendizado. Perdi muitas coisas, algumas pessoas e, ainda, coisas de pessoas. Conforme os passos se alargam, percebe-se o valor atribuído e, então, começamos a nos despir até da bagagem de mão. É como se o anjo da guarda nos desse golpes com suas asas, dizendo: não leve nada, pois a leveza está aí. Peca-se pelo excesso, paga-se multa, pega-se pressão. Em vão seria?

8 de março de 2013

AMÁLGAMA


A cada vez que martelam o meu músculo
Sinto os sulcos cheios de um suco ácido
Reclamando não serem feitos de cascalho
Querem-no rubro de choro até o retalho
Tendo rasgado todo seu valor inestimável
Supõem-no tal nota de 1 Real restaurada
Estes loucos pouco sabem do provável

Brinco de estátua esculpida por um deus
Que me esfarelou pelo seu sopro de vida
Poeira ao vento de chuva é que faz relento
Dá liga à massa o espírito na pedra preso
Aceso um pavio sobre terra fogo água ar

Era negra de um banto nácar de outra era
Ela: tão elementar quanto uma madrepérola

6 de março de 2013

PERPÉTUA

Larga do meu pé, dona Morte!
Não farei a tua sorte desta vez.
Tenho fé, acendo vela, digo 33.
O doutor me avisou do corte...
Serei a melhor modelo cirúrgica.
Um peito com costura e marca.
Se doer, vem a vida e põe gelo.
Derrete até aço, a ferro e fogo.
Armo esse jogo sobre a mesa.
Puxo a toalha e deixo a louça.
Sou moça de conservar beleza.
Estou pronta para o meu abate.
Vaca sagrada, lactante mugirei.
Trarei rebentos à Terra ainda.
Eu insisto infinda na existência.
Enquanto meu corpo profanam.
Com agulha, cateter e sondas.
Absortos na luz que emanam.
Vêm anjos pularem sete ondas.
Lavam todas as minhas feridas.
Trazem seiva no bico as pombas.
Polinizam mel abelhas margaridas.
Para tudo há cura em estado bruto.
Para uma saída sutil existe o luto.
Meu ventre aberto verte o amém.
Vestirei bem cem anos de peleja.
Quando Amor acertar veia aorta.
Sem enganos viverei: assim seja!

5 de março de 2013

BEM FEITO!

Carrego, muitas vezes, a sensação de quem vira o pé na calçada e xinga sozinho o salto ou ri do próprio tombo, na intenção quase automática de querer justificar algo para si ou para quem passa e, inevitavelmente, vê esse alguém na iminência de cair. 

A ocasião faz a postura. Quando prepondera a solidariedade, uma comunicação superficial pode atenuar o chiste e render até certa felicidade, suplantando qualquer constrangimento: 


- Cuidado, essas ruas daqui são terríveis. Estão todas esburacadas.

- É mesmo, melhor eu ficar mais atenta. Obrigada (sorriso amarelo)!


A vergonha da queda deve advir dos tropeços da infância, quando reforçados negativamente. Na escola, por exemplo, a imagem do garoto bullie pondo o pé na frente de quem passa para causar pilhéria é bem emblemática para diversas pessoas. 

Já adultos, gargalhamos das pegadinhas na televisão, atraídos pela desgraça alheia. Urubuzagem? Há boas explicações científicas para a questão.

Rezam cientistas holandeses, através de uma pesquisa realizada entre indivíduos que se afirmavam contentes com a falha do próximo, que o hábito de zombar dos problemas dos outros, além de tipicamente humano, revela a baixa autoestima do autor da chacota. 

Possuem sérios problemas de aceitação aqueles que se sentem melhores ao observarem o infortúnio do vizinho. A esse sentimento denominamos: Schadenfreude.

4 de março de 2013

ESCAPULÁRIA


"Ela era branca, branca 

Dessa brancura que não se usa mais 
Mas sua alma era furta-cor." 
MÁRIO QUINTANA


Não quis calar a manha logo cedo de manhã.
Gemeu os lábios contra o lençol, sem marcas de batom.
Nada era alvo de contraste em sua branca tez.
Desatava a blusa de lã com languidez anátema.
Bastava-lhe um café a esfumaçar as pálpebras.
Mais rápida nos dedos, despertava o último botão.
Pura nudez composta em ária, solfejo de canção.
Raios solares realoiravam a pele sem novelo, toda flores.
Nua em pelo, Eva venenosa, feito cobra na maçã.
Sua áurea em manta a revestia de todas as cores.
Posava de santa dentro do espelho, mas era pagã.

3 de março de 2013

CICLISTA

A fusão do esqueleto com a bicicleta me constitui uma nova espécime minotáurica. Sobre duas rodas, ganho maior mobilidade para cultivar prudência nas descidas e força nas subidas, carregando esta metáfora dentro de um equilíbrio quase perfeito, entre o íngreme e o plano. Sinto alguma divindade me mover dentro dessa ampulheta repleta de poeira da estrada, ao me por de pé, de tempos em tempos. Assim é a vida, um globo da morte dentro do circo, com mudanças constantes de propósito a nos exigir pontuais passagens de marcha, a fim de não nos perder em ritmo, nem nos deixar ultrapassar sinais mais do que claros. 

Desviar dos obstáculos me faz olhar para o chão a se mover bem por debaixo, leva-me a reconhecer minhas raízes e meus próprios buracos. Pedrinhas, montes de areia, cacos de vidro, castanholas atropeladas na calçada. Por vezes, não há acostamento, os automóveis tiram um fino do braço da gente, propagando o vácuo. Concentração em linha reta, a qualquer hesitação inesperada, um ônibus pode espremer o distraído corpo que pedala até o suco. Humores escorrem na testa até pingar do queixo. Um gesticular ligeiro me tira a franja do rosto. Quando a rua se desnuda no domingo, dá para abrir os braços. O vento libera sorrisos fortuitos ao me beijar as bochechas rosadas pela circulação sanguínea intensificada. Facilmente, viro flamingo e me voo.

Dirijo sem rumo exato, fitando a paisagem da gema solar crestar no horizonte, tendo uma casa para regressar às claras da  lua, sem bater nos postes. Ainda não tenho lanternas, mas há quem me oriente. Meus olhos paqueram o pisca-alerta dos outros enquanto refreio a coragem em curvas fechadas, na contradança, para esquerda e para direita. Sigo em ciclos, na pista, esta sustentável valsa. Sou a mais nova ciclista. Não poluo, só propago o amor através dos moldes das minhas rodas impressas no asfalto.

2 de março de 2013

FRUTO DO MAR



A correnteza enferrujada arrasta o menino pelos pés
Observa as solas enrugarem pelo tempo mergulhado
Sente-se tão velho e combalido tal navio naufragado
Deixando escoar toda vida pelo vão do pensamento

De repente, já douraram os peixes dentro da panela
A janela do submarino embaçou com aquela fumaça
Seus amigos não mais o chamam para brincar lá fora
Nenhum deles quer morrer devorado pelos tubarões

A onda do momento é namorar as sereias de topless
Quando nadam até a areia da praia são porto seguro
O duro é saber que elas jamais chegariam ao convés

Convém então ficar ali à mercê da maré sem fé em si?
Sim, se a vela içar a ponto de não apagar sua chama
Se o sal lavar o pranto longe da lama, com mergulho. 

1 de março de 2013

NO VENTO


Deixei-me elevar pela leveza.
Teu perfume se instalou no meu.
Não mais sei que cheiro sou...

Nunca evaporou o que era essência.
Memória recente de vidas passadas.
A cada passo abraçado um lampejo.
Ombro de almofada em que recosto.
Ninada por canções antigas te beijo.
Despertado o alarme três da manhã.