12 de dezembro de 2009

Recinto-de-segurança

O calor do meu quarto sou eu. Feito um útero novo, sem feto, com algum afeto que rola solto na cama de solteira. Estou na poeira espirrenta dos livros, nos tantos empilhados discos estão as digitais a marcar memoráveis épocas. Um universo em gavetas e armários desarrumados. Ainda brinquedos, ainda bonecas, ainda álbuns de figurinha. A janela constantemente fechada, pela incidência quase dolorosa do sol em todas as coisas sensíveis. Quando aberta, a barulheira da avenida se ouve: automóveis. Sou meu quinto andar, não tão alta, nem tão térrea. Ando com pressa, mas às vezes o elevador está emperrado. Meu pé em terra, na rua, vou, sigo, na certeza de retornar. Recinto. Sinto-me dentro. Pouco ressentimento há. Recolho-me na paz insone das madrugadas a portas fechadas. Meus pensamentos vários feito peças de roupa colorida num varal infinito.

8 de dezembro de 2009

Ser Diferente

"A única salvação do que é diferente é ser diferente até o fim, com todo o valor, todo o vigor e toda a rija impassibilidade; tomar as atitudes que ninguém toma e usar os meios de que ninguém usa; não ceder a pressões, nem aos afagos, nem às ternuras, nem aos rancores; ser ele; não quebrar as leis eternas, as não-escritas, ante a lei passageira ou os caprichos do momento; no fim de todas as batalhas — batalhas para os outros, não para ele, que as percebe — há-de provocar o respeito e dominar as lembranças; teve a coragem de ser cão entre as ovelhas; nunca baliu; e elas um dia hão-de reconhecer que foi ele o mais forte e as soube em qualquer tempo defender dos ataques dos lobos."

AGOSTINHO DA SILVA, in Diário de Alcestes

3 de dezembro de 2009

Florata

Eu me floresci na água pedra. Levando gotada nas astes de planta. O sal fermentou só na réstia de sol do muro da casa. Minha casa aberta. Quem ouviu passos, gemeu de tanto soluçar. Era lágrima rondando sem poder entrar. Rosa murchou quando fui colocada em vaso de vidro. Areia funda, poço raso, espinho fino. Rasgo-pétala. Enluarei pela varanda, o varal de sereno impregnado, quando maré bateu no teu molhar. Não mais perfumarei os céus com enfermidades eternas. Nem sou estrela, sou poda, pó dela.

30 de novembro de 2009

Aniverso

Certo dia resolvi trepar num trapézio chamado vida e caí aqui nesse planeta de trapaças. Nenhuma habilidade com asas, criei braços e pernas a fim de reconstruir o inacabado. Foi em dezesseis de fevereiro, manhã de carnaval, que nasci blasfeminina de pronto: na intervenção cirúrgica de um parto anormal.

20 de novembro de 2009

A disciplina do amor

Quando mocinhas, elas podiam escrever seus pensamento e estados d'alma (em prosa e em verso) nos diários de capa acetinada com vagas pinturas representando flores ou pombinhos brancos levando um coração no bico. Nos diários mais simples, cromos coloridos de cestinhos floridos ou crianças abraçadas a um cachorro. Depois de casadas, não tinha mais sentido pensar sequer em guardar segredos, que segredo de uma mulher casada só podia ser bandalheira. Restava o recurso do cadernão do dia-a-dia, onde, de mistura com os gastos da casa cuidadosamente anotados e somados no fim do mês, elas ousavam escrever alguma lembrança ou confissão que se juntava na linha adiante com o preço do pó de café e da cebola.
Lygia Fagundes Telles

17 de novembro de 2009

EnSoularada

Não tenho vergonha do rastro do meu sangue deixado na cama. Sentei-me no colchão a pensar, deslizando o fundo do corpo pelo lençol azul-pálido. Pintei meu céu nas cores crepusculares a fim de que meu dia anoitecesse mais rápido. É, aprecio as luas e todas as suas tempestades ocultas, e ver o sol feito raio, rabo de cometa a brincar de roubar nuvens tamanhas. Por minhas crateras entra uma vida luminosa que menstrua.

7 de novembro de 2009

Noiteza

O escuro me revela o quanto posso dormir sem estar desacordada. O acordo foi feito entre as cortinas e a janela. Basta fechar os olhos então e fingir que respiro, a certificar anjo da guarda que não estou morta. Já teve vezes em que eu queria vagar com meu espírito além das oito horas definidas pelo sono. Surge um pretume onde não deveria estar: na cabeça colorida de meu sonhatório original. Daí, levanto numa espécie de sem-querer-chegar. O corpo sua, afundado na piscina da memória. Colchão retalhado pela presença invisível dos ácaros. Essa realidade desmotiva fácil feito canção de ninar sobre vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e violeta. Só quem pode apagar meu arco-íris é o tédio. TÉDIO tem remédio? Nem estou doente, mas dai-me um pote de ouro! Ao TÉDIO dedico ódio. Assim, brotam-me as maldades. Se eu pudesse matar, mataria aos montes, detrás dos montes, para ser vista pelo plexo solar. Porém, meu instinto é liberado da cadeia ao criar. PANACÉIA.

29 de outubro de 2009

Não eu

Eu não queria ser a importância que me dão. Nem o desprezo que eu tantas vezes me dedico.

Queria ter nascido de revés, só para ver se me existia em alma menos bruta pelo cosmos. Queria ter nascido com a morte ou morrido com a sorte abrupta de saber o que lá há, se Deus foi mesmo meu real destinatário.

Eu queria que todos me respeitassem além da beleza, do status, da cor e da família. Porque eu sou tão feia quando acordo para a vida, tão pobre quando trabalho, tão marrom quando me lavo e tão só quando confraternizo... Embaraço.

25 de outubro de 2009

Enigmar

Os tentáculos da vida que me abraçavam outrora, agora me oferecem em bandejas variados tipos de liberdade. O que se abria antes para me fechar, hoje a mim desvela mil cores. Quem enlaça, tolhe movimentos. Aquilo a fazer respirar, embriaga, por vezes. São as criaturas do mar. Personas boas e más. Essas primeiras querem me levar para a mais calma enseada. As outras almejam naufragar minha colheita de tempestades. Quem acolhe, priva de nadar. Prende, a água com suas correntes do contra. Âncora. Mas quando se aprende a ler o mapa, nada mais surpreende. Fácil encontrar desencontro em Nigma.

11 de setembro de 2009

A força moça

Branca de nevoeiros sou, desencantada rainha com a cabeça de espada a cortar fios de pensamentos em balões. Há muito plantada na bainha, vou também cortando os Às das cartas de despedida. Prostro-me na cadeira sem rodas e de eletricidade perdida. Olho para o tempo que pára na porta, hesita, mas acaba saltando da janela. Canção cansada. Sento, sinto.

"Nada mais imperioso do que a fraqueza que se sente apoiada pela força: vejam as mulheres." NAPOLEÃO B.

3 de setembro de 2009

Lei "A"

ventre LIVRE
em ARTE sem lei
menina toda PROSA
com a própria POESIA
a dizer escancarada
"sei mais que nada"
pelo ar no rain
da sua terra em maresia
NÃO vai à igreja,
prefere CERVEJA à hipocrisia
e tem sympathy for the devil
quem a conhece que lhe compre
a ALMA vale pelos olhos da cara
tem canhotismo, miopia...
já o Pessoa, ópio e LAMPEJOS
RARA, satisfaz-se com bijouteria
não se vende
a 100 vezes sem juras
de AMOR tem o que lhe abasta
cata o vento do som em lua
casta a perverter sua MÚSICA em transe, gente
SURREALIZADA mente Dali e de acolá
pinta as unhas de VERMELHO
cola a boca no CÉU e o nariz no joelho
quer mais é TRANSMUTAR, cheira quando chuta
META-MOR: fase indissoluta
artesã nata, que salva a LOUCA de si
enquanto nego ÓCIO, ela tira bom proveito
mas esta com PEITO sou eu mesma
falando mais do mesmo
À ESMO de mim

20 de agosto de 2009

ENTREVISTA

Há quanto tempo escreve? Como começou a escrever?

Desde pequena. Enquanto não detinha o alfabeto nas mãos, metia um rabisco grosso num monte de papéis ou ruminava alguma palavra nova sozinha. É como faz toda criança, confabula, cria à toa sem amarras, depois quando cresce é que se dá conta do medo e daí vêm as travas. Mas as letras vieram mesmo lá pelos meus onze anos, com o gosto pela leitura também adolescendo. Comecei com poesia, como quase todo mundo faz, depois larguei um pouco o lirismo de lado e parti para os contos. A música foi outro meio instigador, aliás, as artes todas. Sempre gostei de mesclas: som, imagem, palavra... Nunca fui muito de falar, então, prefiro exercitar outras linguagens, encontro maior expressividade nelas.


Por que escreve? Com que freqüência? Onde e em que meio? Utiliza Internet ou outras linguagens? O que é ser escritor nos dias de hoje, em Fortaleza ou fora dela?
Escrevo porque tenho a sensação de que o dito às vezes foge do controle e acaba por cair no banal. Prefiro prender as palavras no silêncio da leitura. Isso em mim liberta. Não tenho hora certa, nem situação pensada, considero esse chamado ócio um ofício da alma. Ato prazeroso o de criar, vai no ímpeto, embora deva doer tal um parto quando de repente alguém encomenda algo e, por carência financeira, a gente tem de se sujeitar às pressões do tempo. Geralmente escrevo em Blogs, Zines, produções independentes, meios alternativos para propagar novas idéias. Creio que o escrito ali solto, impresso ou ‘Internetado’, estende sua atenção para ser lido, relido e multi-interpretado pelo leitor, à sua vontade. A grande importância de se escrever está nisso, na troca humana, no deleite com a mensagem, não no interesse esdrúxulo de se tornar um ‘imortal’ pretenso. Tarefa delicada essa, mesmo quando os meios são vários. Pois, enquanto não se faz um nome no âmbito literário, a discriminação é tamanha entre as panelinhas de ares acadêmicos. Arte foi feita para humanizar, não endeusar criadores. Ah, se o incentivo fosse mútuo! Mas não deixemos de buscar.

Os cursos de Letras estão aptos a estimular o gosto pela escrita nos jovens? O que acha dos cursos superiores voltados unicamente para a formação de escritores?
Não creio que o estímulo à escrita parta dos cursos de Letras, mas do próprio âmago do jovem que se sente motivado a praticar sua arte. Não consigo vislumbrar a escrita como um processo meramente mecânico, por isso não vejo necessidade em se ‘formar’ escritores, graduar escritores... Isso soa elitista demais! O talento é inerente ao indivíduo. Manuais de um fazer literário estão cheios por aí a atender apelos comerciais, só que padronizar limita e limitação não se aplica ao artístico. Deviam ter em primeiro uma preocupação com a formação do leitor, sou a favor de maior expansão leitora, fartar as novas gerações com os mestres do passado eternizado, a maioria dos quais nem sequer teve formação escolar completa, nem acadêmica na área das Letras, tais Machado, Guimarães, Graciliano.

Qual o peso do cânone literário (de uma tradição) no seu processo de escrita? Como você lida com as influências?
Essencial vislumbrar as tendências. Sem querer, a gente acaba por internalizar bagagens de mundo viajando no velho, pousando no novo e, assim, antevê o próprio rumo. Tomo por identificação a lírica intimista, aqueles existencialismos Clariceanos, também de Kafka, Pessoa; certo romantismo negro, simbolista, dos poetas malditos, escorregando pela verve modernista ou pelo universo pós de Caio Fernando. Nem importam as terminologias, os ‘ismos’, vou abstraindo na escrita, universalizando. No momento do ‘jorro espiritual’ pouco ou nada penso acerca do peso de um cânone literário, já vão inclusas inconscientemente leituras diversas, filmes, cenas do cotidiano, sonhos... Uma desorganização permeada de resquícios ricos, versos livres que compõem a vida, maior inspiração encontro dessa forma.

O que acha do rótulo de literatura regional? Hoje, quem escreve em Fortaleza faz literatura regional? Falo em contraposição ao que se produz em São Paulo, por exemplo, e noutros centros culturais e econômicos.
Sou contra a qualquer tipo de rotulagem, é descabido delimitar o que se configura tão plural! De repente, em razão do nordeste ter introduzido essa estética de descrever cenários locais com mais força, desde aquela geração Romântica pioneira Alencarina e de outros autores a ressaltar as cores da terra, há quem julgue exclusivamente regional o que pode ser defendido como nacional e até universal. Nada julgo. Vejamos Machado de Assis, suas obras pintam tanto o Rio de Janeiro, mas quase ninguém considera aquilo regionalista. Ai, esses termos... Complica-se por demais! E regionalismos à parte, tudo é válido, é importante mostrar nossas características, documentar nossa própria história, mas vamos sair daquela vertente literária presa aos costumes específicos de uma região e levar a cultura para ser universalizada!

Comente: literatura na Internet – uma saída ou um beco sem saída? O que acha do rótulo “literatura na Internet?” Qual a importância da rede de computadores pra você? Falo em relação ao processo de escrita e também à recepção da obra (textos soltos, contos, poesias, fragmentos etc.) na Internet.
Engraçado, essa temática da fuga tem me perseguido. (Risos) É que dos contos que expus na Internet, um se chama ‘Beco Sem Saída’, preso (ou solto) em blog ainda e o outro, ‘A Saída’, que consegui publicação em antologia, graças a um concurso literário. Olha, a literatura na Internet não deixa de ser a mesma que se publica em qualquer suporte, a diferença boa é o fato de ampliar a disseminação dos textos da forma que lhe convier, expandir contatos, entretanto, essa superexposição ou o excesso com que se publica tende a se pecar em qualidade, essa liberdade vira caos. Há tanto lixo sobrecarregando a rede em meio a tantas maravilhas também, que qualquer critério de literariedade, estética, acaba se perdendo ou confundindo o leitor. Acredito que a recepção é ótima, apesar disso, apesar de uma certa desorganização, como a falta de referência bibliográfica, em alguns casos, que podem empobrecer uma pesquisa. As bibliotecas virtuais crescem e, consequentemente, o acesso a obras raras fica mais fácil, enfim, tudo é questão de bom senso, de escolha minuciosa. Há quem prefira ler um romance no computador, eu já opto por ler e escrever fragmentos ali, histórias curtas, já que o tempo tende ao imediato, as pessoas têm pressa, o mundo corre com essa transmissão de dados absurda.


Os blogs são uma nova força para quem escreve?
Claro, nada mais atual e democrático que expor os escritos nessa blogosfera prosperada. Esta linguagem que antes se reduzia a desabafos pessoais tal um diário virtual da escrita de si, hoje assume diversas roupagens, com extensa gama de temas e propósitos. Eis uma ferramenta mágica, por vezes despretensiosa, para divulgar literatura, nova e velha, boa ou ruim, pois tudo é questão de estilo, de preferência. A vitrine está ali, acessibilíssima ao leitor de qualquer parte do planeta. Interessantes os espaços dentro desses sítios eletrônicos destinados a tecer comentários, interagir... E sendo facilmente possível render grande repercussão com a escrita, a descoberta de autores via Blog pode contribuir para revelar as novas promessas dessa sábia geração cyber.

Como é escrever em Fortaleza? Existem autores locais que você admire? Quais os seus autores de cabeceira?
Bem, escrever em Fortaleza... Não sei, estou só começando, quero apenas aprender com alguns mestres, com alguns gênios humildes, sem me prender aos academicismos vigentes. Há tantos que ainda cheiram a mofo e se vangloriam de seus feitos nestes salões da alta sociedade, que nem vislumbram as boas novidades por aí. Ficam masturbando o ego e tecendo elogios falsos aos colegas, quando por trás das máscaras se digladiam feito putas na disputa do posto (ou do poste) mais alto. Luz, por favor! Admiro bastantes autores cearenses tais Moreira Campos, José Alcides Pinto, Airton Monte e tantos outros, anônimos por enquanto.

Henrique Araújo entrevista Paola Benevides (FORTALEZA, 2007)

8 de agosto de 2009

Verdadeiriça

Falar de mim posso eu, fazem os outros, não há quem impeça minha lembrança ou mesmo a lembrança de mim. Hoje acordei com certa angústia. Não sei se é a posição dos móveis no quarto que não mexo há anos, nem se ansio por alguma nova coisa. Devem ser ambos. Corpo reclama cansado enquanto a mente capta informações tortas e diretas, direitas e mórbidas. Muito a fazer em idéias sobrepostas, a preguiça me fustiga, resolvo ler. Além do bem e do mal, Nietszche roubado da alcova de meu irmão. Ele viaja. Aproveito a cama feita, lençol esticado, janela aberta para um horizonte meio nublado, brisa fresca. Quase adormeço onde deita o Márcio. Gosto de ver estante com livros, novos, cheirosos. Só em tomá-los nas mãos pareço absorver mais cultura. Fragmentada, abri na página sobre os horrores do catolicismo e uma comparação esdrúxula entre mulher e verdade. Se o homem não as tem, está perdido. Das duas, uma. Falsa? Mas a verdade é que eu sou mulher, sofro com isso, gosto também, masoquista. Mal-quista-bem-quista, tudo consta na lista do que se é de verdade. Sou loba do homem que me escolher por raposa. Receberei uvas no bico.

Lobos? São muitos.
Mas tu podes ainda
A palavra na língua
Aquietá-los.
Mortos? O mundo.
Mas podes acordá-lo
Sortilégio de vida
Na palavra escrita.
Lúcidos? São poucos.
Mas se farão milhares
Se à lucidez dos poucos
Te juntares.
Raros? Teus preclaros amigos.
E tu mesmo, raro.
Se nas coisas que digo
Acreditares.
HILDA HILST

27 de julho de 2009

Não fui, na infância,
como os outros
e nunca vi como outros viam.
Minhas paixões eu não podia
tirar de fonte igual à deles;
e era outra
a origem da tristeza,
e era outro o canto,
que acordava
o coração para a alegria.
Tudo o que amei, amei sozinho.
Assim, na minha infância,
na alba da tormentosa vida,
ergueu-se no bem,
no mal de cada abismo,
a encadear-me, o meu mistério.
Veio dos rios, veio da fonte,
da rubra escarpa da montanha,
do sol, que todo me envolvia
em outonais clarões dourados;
e dos relâmpagos vermelhos
que o céu inteiro incendiavam;
e do trovão, da tempestade,
daquela nuvem que se alteava,
só, no amplo azul do céu puríssimo,
como um demôno, ante meus olhos.

Edgar Allan Poe

22 de julho de 2009

Homenagerm de um terno tenor

Mulher-poeta, que encanta
e desbanca a arrogância
dos versos,
em ternos inversos
com extravagância

Mulher-poeta que desinfeta
a poeira das frases e espeta,
com carinho,
um espinho fininho!

Mulher-Paola que destoa,
não à toa, Mas, com pureza
e a certeza dos ventos
Navegando
sempre à proa dos tempos!

Por: Bruno Stéfano

16 de julho de 2009

Many Encômios à Moir

Vieram de público asseverar que eu não sou uma senhorita deste mundo. Se entro em um centro espírita, não me deixam mais sair. Mas alertaram para eu não me empavonar e continuar me aperfeiçoando.

Em Espanhol me grifam outro elogio: - Eres muy estrovertida! Seria una buena integrante de Pink Floid! O contexto era que havia enviado um player com minhas interpretações de músicas do U2. O bom é que posso transitar do Pop ao Progressivo que não me picham nem lincham. Por ser mulher, apenas me apontam camaleônica tal David Bowie, musa de mim mesma e de quem menos suspeito.

Houve também quem me chamasse de Harvey Dent. Daí então logo lembrei de Caetano cantando seu RAPTE-ME, CAMALEOA ao ler um recado de outro amigo: "Na dúvida, ataque!" Então sou eu a reptília, a que se entredevora com pensamentos enquanto avança na sorte. O mesmo ainda me recomendou uma leitura: Papus, um ocultista que curava pacientes ao evocar a força-vital mãe, fonte de equilíbrio. Falávamos de magia e tecíamos uma comunidade literária chamada Sociedade Invisível, que fez jus ao nome e desapareceu, cada um seguiu as linhas de seu destino por si.

15 de julho de 2009

Na roda também...

"Olha bem pra mim - tenho cara de quem escolheu alguma coisa na vida? Quando dei por mim, todo mundo já tinha decorado a tal palavrinha-chave e tava a mil, seu lugarzinho seguro, rodando na roda. Menos eu, menos eu. Quem roda na roda fica contente. Quem não roda se fode. Que nem eu, você acha que eu pareço muito fodida? Um pouco eu sei que sim, mas fala a verdade: muito?"

Caio Fernando Abreu

12 de julho de 2009

Humanada errante, gente errada!

Reconheço meu ciúme quando me tomam o espaço, mostro ódio quando arrancam as roupas da minha privacidade, confesso minha raiva quando tomam o objeto de meus desejos, ao me privarem o sexo, ao me controlarem os vícios. Detesto criança, aquela que divide a cama do casal ao meio, aquela que esperneia por materialismos precoces, a que grita para ser notada, paparicada e até temida. Abomino mais ainda as mães dessas crianças, geralmente solteiras ou mal casadas, sem figura paterna, fálica, a calar seus histerismos constantes, apenas falhas, idéias falsas acerca desse universo falido. Sem moral mínima, emprestam às filhas o ar fatal dos saltos altos, dos esmaltes vermelhos nas unhazinhas roídas logo cedo. Dia desses vi uma dita mãe passando batom nos lábios crescentes de uma bebê com nem dois anos e os transeuntes achando bonito. Eu tive asco e saí de perto. Odeio esse mundo vulgarista. Detesto também os velhos chantagistas, que moram de favor com os filhos pois se acham no direito de interferir nas suas vidas por tê-los criado. A esses vovôs, a maioria vovós, que inventam uma dor para cada dia, afastam-se dos amigos, devoto meu total desrespeito. Impacienta-me por demais essa gente que quer viver pelos outros. Mulheres se apresentam bem mais perdidas sentimentalmente, posso perceber. Que o destino não me reserve essa sorte de tolhir o alheio, nem que eu passe minhas frustrações aos meus filhos, caso os tenha. Diante disso, melhor usufruir do sexo sem procriação. O mundo me enoja com seres encardidos que não sabem nem como lavar as meias do espírito. Só dejetos de encarnação.

9 de julho de 2009

Consta na lista: minha constelação de ser em loucura e brilho

E eu me arrastava na mesma direção como tenho feito toda a minha vida, sempre rastejando atrás de pessoas que me interessam, porque para mim, pessoas mesmo são os loucos, os que estão loucos para viver, loucos para falar, loucos para serem salvos, que querem tudo ao mesmo tempo, aqueles que nunca bocejam e jamais dizem coisas comuns, mas queimam, queimam, queimam como fabulosos fogos de artifícios explodindo como constelações em cujo centro fervilhante - pop - pode-se ver um brilho azul e intenso até que todos "aaaaaaah!" (Jack Kerouac - On the road)

28 de junho de 2009

Red lines

Sinto o horror de sofrer pelo sangue que me sai do útero. Soa como uma espécie de cobrança do cosmos por não ter fecundado o óvulo a tempo, por matar uma possibilidade de existência. Assassina por natureza, mato em mim o que não deve ficar. Os sintomas são os de sentir muito, por muito pouco em peso. Fico sensível, mas não daquela sensibilidade pacífica dos meigos pululantes, é a sensação de estar temperada, ríspida, especialmente com quem tenho um vínculo maior de amor ou de ódio. Nem é aborto, nem química, é mais um infarto mensal de toda tensão. Estava (r)indo tão bem, mas do além me veio a reação errada, o telefone na cara, o xingamento interno constante. Raiva do mundo inteiro, por ele me desacompanhar em explosão. Por pouco tempo, creio. Pois ou ele atiça logo a calmaria ou eu persisto em explodir primeiro.

27 de junho de 2009

Meus silêncios hoje se fazem mais raros que antes. As pessoas me invadiram tal uma rua inteira de protestos mas, desta vez, a favor de mim. Desta vez sim, porque não suspeitaram que meu modo calado pudesse tramar idéias maravilhosas, que eu pudesse desengosmar o quentinho do meu casulo e ornar paredes de mundo com rastros luminosos. Continuem a duvidar!

16 de junho de 2009

V. Woolf a falar de/por mim...

Meu próprio cérebro é para mim a mais inexplicável das máquinas - sempre zunindo, sussurando, voando rugindo mergulhando, e depois se enterrando na lama. E por quê? Para que esta paixão?

As coisas se desprenderam de mim. Eu prolonguei certos desejos; eu perdi amigos, alguns para a morte... outros pela incapacidade de atravessar a rua.

Cada um tem seu passado preso em si como as páginas de um livro conhecido por seu coração, e seus amigos só podem ler o título.

Se você não contar a verdade sobre si mesmo, não pode contar a verdade sobre as outras pessoas.

Estas são as mudanças da alma. Eu não acredito em envelhecimento. Eu acredito em alterar para sempre o aspecto de alguém para a luz. Eis meu otimismo.

Quanto mais se envelhece, mais se gosta de indecência.

Há muito sentido na idéia de que são as roupas que nos vestem, e não nós que as vestimos; podemos fazê-las pegar a forma dos braços ou do peito, mas elas moldam nossos corações, nossas línguas às suas tendências.

O interesse na vida não está no que as pessoas fazem, nem em suas relações mútuas, mas principalmente no poder de comunicar-se com uma terceira parte, antagonista, enigmática, ainda que talvez persuasiva, o que alguns chamam de vida em geral.

Em algum lugar, em todos os lugares, ora escondido, ora aparente no que quer que esteja escrito, está a forma de um ser humano. Se tentarmos conhecê-lo, estaremos preguiçosamente ocupados?

Realmente, eu não gosto da natureza humana a menos que esteja toda temperada com arte. Gosta-se muito mais das pessoas quando elas são abatidas por um cerco extraordinário de desgraça do que quando elas triunfam.

Não são as catástrofes, assassinatos, mortes, doenças, que nos envelhecem e nos matam; é a forma como as pessoas olham e riem, e apressam os passos para os ônibus.

É a natureza do artista importar-se excessivamente com o que dizem sobre ele. A literatura é espalhada com os restos dos homens que se importaram além da conta com as opiniões dos outros.

É fatal ser um homem ou mulher pura e simplesmente: deve-se ser uma mulher masculinamente, ou um homem femininamente.

Como mulher eu não possuo país. Como mulher, meu país é o mundo todo.

Eu estava com um humor estranho, me achando velha demais: mas agora sou uma mulher de novo - como sempre sou quando escrevo.

Todo segredo da alma de um escritor, toda a experiência de sua vida, toda a qualidade de sua mente está melhor escrita em seus trabalhos.

15 de abril de 2009

Arte é fato!

O que me incomoda é acomodar, porque sou cômoda o bastante. Muito me vem com pouco esforço, mas só quando não espero. Se me basto com algo, aí me completo. A expectativa criada move o peito a descaminhos constantes. Disso estou praticamente curada, só que algum cisto de ânsia ainda me perfura o estômago e me debato nas pernas, bebendo na semana. Abandonei o cigarro e olha que já mal fumava. Sou sismada com quase tudo, um olhar atravessado por mais de três segundos, um riso entre dentes, uma piadinha solta do nada ou uma história mal conclusa. Inclusa em grupos sem mais me ater a um só, reclusa em minha casa apenas nos dias menstruais ou de crise monetária. Às vezes nem isso, agora vivo no mundo, saio no meio da chuva, acordo só às oito da manhã quando tem consulta médica. Antes disso seria uma insulta! Procrastino o tempo internetando ociopatias. A verve na vésper é minha, a noite é toda não sozinha. Madrugo, mal durmo e drogo o que me draga. E não é que tudo vira arte?

5 de abril de 2009

A Mulher Selvagem


POR: RICARDO KELMER
Sua beleza é arisca, arredia aos modismos. Ela encanta por um não-sei-quê indefinível... mas que também agride o olhar. É um tipo raro e não tem habitat definido: vive em Catmandu, mora no prédio ao lado ou se mudou ontem para Barroquinha. E não deixou o endereço. É ela, a mulher selvagem.

Em quase tudo ela é uma mulher comum: pega metrô lotado, aproveita as promoções, bota o lixo para fora e tem dia que desiste de sair porque se acha um trapo. Porém em tudo que faz exala um frescor de liberdade. E também dá arrepios: você tem a impressão que viu uma loba na espreita. Você se assusta, olha de novo... e quem está ali é a mulher doce e simpática, ajeitando dengosa o cabelo, quase uma menininha. Mas por um segundo você viu a loba, viu sim. É a mulher selvagem.

A sociedade tenta mas não pode domesticá-la, ela se esquiva das regras. Quando você pensa que capturou, escapole feito água entre os dedos. Quando pensa que finalmente a conhece, ela surpreende outra vez. Tem a alma livre e só se submete quando quer. Por isso escolhe seus parceiros entre os que cultuam a liberdade. E como os reconhece? Como toda loba, pelo cheiro, por isso é bom não abusar de perfumes. Seu movimento tem graça, o olhar destila uma sensualidade natural - mas, cuidado, não vá passando a mão. Ela é um bicho, não esqueça. Gosta de afago mas também arranha.

Repare que há sempre uma mecha teimosa de cabelo: é o espírito selvagem que sopra em sua alma a refrescante sensação de estar unida à Terra. É daí que vem sua beleza e força. E sua sabedoria instintiva. Sim, ela é sábia pois está em harmonia com os ritmos da Natureza. Por isso conhece a si mesma, sabe dos seus ciclos de crescimento e não sabota a própria felicidade. Como todo bicho ela respeita seu corpo mas nem sempre resiste às guloseimas. Riponga do mato, gabriela brejeira? Não necessariamente, a maioria vive na cidade. E há dias paquera aquele pretinho básico da vitrine. E adora dançar em noite de lua. Ah, então é uma bruxa... Talvez, ela não liga para rótulos. Sabe que a imensidão do ser não cabe nas definições.
Mulheres gostam de fazer mistério. Ela não, ela é o mistério. Por uma razão simples: a mulher selvagem sabe que a vida é uma coisa assombrosa e perfeita, e viver o mais sagrado dos rituais. Ela sente as estações e se movimenta de acordo com os ventos, rindo da chuva e chorando com os rios que morrem. Coleciona pedrinhas, fala com plantas e de uma hora para outra quer ficar só, não insista. Não, ela não é uma esotérica deslumbrada mas vive se deslumbrando: com as heroínas dos filmes, aquela livraria nova, o CD do fulano... Ela se apaixona, sonha acordada e tem insônia por amor. As injustiças do mundo a angustiam mas ela respira fundo e renova sua fé na humanidade. Luta todos os dias por seus sonhos, adormece em meio a perguntas sem respostas e desperta com o sussurro das manhãs em seu ouvido, mais um dia perfeito para celebrar o imenso mistério de estar vivo.

Ela equilibra em si cultura e natureza, movendo-se bela e poética entre os dois extremos da humana condição. Ela é rara, sim, mas não é uma aberração, um desvio evolutivo. Pelo contrário: ela é a mais arquetípica e genuína expressão da feminilidade, a eterna celebração do sagrado feminino. Ela está aí nas ruas, todos os dias. A mulher selvagem ainda sobrevive em todas as mulheres mas a maioria tem medo e a mantém enjaulada. Ela é o que todas as mulheres são, sempre foram, mas a grande maioria esqueceu.

Felizmente algumas lembraram. Foram incompreendidas, sim, mas lamberam suas feridas e encontraram o caminho de volta à sua própria natureza. Esta crônica é uma homenagem a ela, a mulher selvagem, o tipo que fascina os homens que não têm medo do feminino. Eles ficam um pouco nervosos, é verdade, quando de repente se vêem frente a frente com um espécime desses. Por isso é que às vezes sobem correndo na primeira árvore. Mas é normal. Depois eles descem, se aproximam desconfiados, trocam os cheiros e aí... Bem, aí a Natureza sabe o que faz.

3 de abril de 2009

Uma Anaïs Nin em mim...

A vida se contrai e se expande proporcionalmente à coragem do indivíduo.

Um homem jamais pode entender o tipo de solidão que uma mulher experimenta. Um homem se deita sobre o útero da mulher apenas para se fortalecer, ele se nutre desta fusão, se ergue e vai ao mundo, a seu trabalho, a sua batalha, sua arte. Ele não é solitário. Ele é ocupado. A memória de nadar no líquido aminótico lhe dá energia, completude. A mulher pode ser ocupada também, mas ela se sente vazia. Sensualidade para ela não é apenas uma onda de prazer em que ela se banhou, uma carga elétrica de prazer no contato com outra. Quando o homem se deita sobre o útero dela, ela é preenchida, cada ato de amor, ter o homem dentro dela, um ato de nascer e renascer, carregar uma criança e carregar um homem. Toda vez que o homem deita em seu útero se renova no desejo de agir, de ser. Mas para uma mulher, o climax não é o nascimento, mas o momento em que o homem descansa dentro dela.

Me nego a viver em um mundo ordinário como uma mulher ordinária. A estabelecer relações ordinárias. Necessito o êxtase. Não me adaptarei ao mundo. Me adapto a mim mesma.

Chorei porque não era mais uma criança com a fé cega de criança. Chorei porque não podia mais acreditar e adoro acreditar. Chorei porque daqui em diante chorarei menos. Chorei porque perdi a minha dor e ainda não estou acostumada com a ausência dela.

10 de março de 2009

Olhos da cara.

Eu a par, mais apática que apoteótica. Aponto o erro de refração da luz na placa da loja. Logicamente, uma ótica de recheada vitrina me chamava. Havia a longa distância de um triz. Bendita Santa Lúcia que me conduzia pela porta uma dúzia de anos atrás. Com receita médica adentrei a loja, uma armação só. Escolhi a dedo. Visão embaçada, cocei com os punhos cerrados para ver se era mesmo verdade. Os globos se vestiam de graus por alto custo. Assim pertencia ao mundo dos míopes na moda!

O uso de lentes di-ver-gentes poderia aperfeiçoar meu entendimento, se não fosse por uma piora moral (naquele local onde mora a alma). Dizem que se agrava gradativa. Conto assim, porque hoje distraía na conversa com amigo que me reclamava um olhar mais concentrado: "Devo estar falando muito rápido, tua cara demonstra que absorveu só 5% do que eu disse." Sou meio aérea, tem horas... Os pensamentos vibram fortes em cor de carmim-estarrecido ou limão-aos-gritos. Tem tanta coisa óbvia que nem compreendo!

8 de março de 2009

Da mulher.

Arthur Rimbaud disse: “Já cheguei ao limite da minha linguagem. Agora são as mulheres, quando souberem escrever”. Elas desvendam coisas que o homem não atinge, estão mais perto de uma cortina que se abre.
A mulher consegue entrar no labirinto e sair melhor dele.

O que tenho por dentro é o importante. As mulheres fomentam esse deslumbre em relação à imagem, é triste, é passageiro – porque tem a velhice, a morte... Temos de ir às nossas cavernas, explorá-las enquanto o pensamento está poderoso ainda e deixar de lado a futilidade. Mulheres morrem nas clínicas de lipoaspiração! Vão ler! Vão estudar! As mulheres são muito mais importantes do que pensam. Perdemos um tempo enorme com essas lojas, essas vitrines. Passo aqui perto de casa, vejo os manequins todos sem cabeça e percebo que está certo: quem pensa muito em moda não pensa mesmo.
Pra que cabeça?

Lygia Fagundes Telles

4 de março de 2009

Depreciosa, pedra rara de tacar na cara.

Hoje é o dia da solidão opcional, excepcional dentro de mim. Não suporto ouvir um estampido sequer de voz. A fim de evitar meus próprios urros ancestrais, tranco meus barrancos no peito escorregadio. Cabeça mórbida sob os lençóis, só falta estourar por tantos pensamentos finos. São vozes, as malditas vozes querendo me escapar feito um feto de filho. Prematuro. Vou maturando formas através do vazio. Quando adormeço é que alivio, até pesadelo vem a calhar, só de parecer me transplantar à outra esfera tamanha. Meu espírito quer voltar donde veio, a Terra o desnutre a cada giro, a terra que me há de comer o corpo tal índia canibal. Não tenho medo, desde que não me arda. Meus olhos, de ardilosos, caíram n'água barrenta e não enxergo mal. Enxugo a vida para não me parecer tão empapuçada de mentiras.

3 de março de 2009

Enjoada, escrava de Jó.

Meu sistema imunológico anda baixo. De quando em quando me vejo na cama, prostrada, com uma revolta de querer me mover, sentir o mundo e sem poder sair. Vai ver é isso, preciso de um tempo em casa ou longe do óbvio pra me ver mais em mim, brotando em idéias. Antigamente eu não era assim, passava meses sem adoecer. Final do ano passado tive de interromper sapateado, uma dança que sempre quis fazer e que mal havia começado. Isto porque me veio uma fraqueza, tive febre, até desmaio. Vi o mundo rodar, mas não em piruetas de um novo passo inventado, vi tudo girar de tanta náusea. Existencialista que sou de mim, analisei: será náusea do mundo? No momento meu estômago reclama, minha boca parece de fel, a cabeça dói. O doutor disse que não havia cura pra esse mal de agora, trata-se de um rota-vírus engasgado no meu corpo. Só o que posso fazer é esperar ele fugir. Pior coisa que tem é não ter controle das próprias dores e prazeres. Sinto-me um fantoche da natureza. Eu que devia ter-me feito no final. À prova de balas e sem efeito colateral! Que perfeição é essa meu deus?

27 de fevereiro de 2009

Mãe, feliz aniversário!

Hoje aniversaria a mulher que mais exercita a paciência, tanto em mim com ela quanto nela comigo. Minha mãe pisciana, tão urgente, tão aflita em seus sonhos, presa à uma realidade povoada por rádios AM, canais abertos de TV e um apartamento sem saída. Hoje queria convocá-la a um passeio, este seria meu presente, mas preferi dar o abraço matutino com todo meu amor SIMcero, que receber uma resposta de anteNÃO. Ela é sempre tão ocupada com os afazeres domésticos, com o almoço, com a casa e a cadela, que se esquece da rua, do mundo lá fora, de tecer amigos e prosseguir a vida mais colorida, mais singela. Não é bem perigoso como transmitem no jornal diário, nem requer todo um salário a custear divertimentos. Qualquer vestimenta seria a certa, qualquer corte de cabelo, pintado ou branco assumido, despreocuparia. Eu só queria hoje o seu sorriso. Acho que já o tive e o mantive, mas queria que minha mãe guardasse junto comigo um ano a mais com saúde vívida, quero toda sorte boa pra ela. Parabéns, senhorinha-fortaleza, que abarca com vontade uma família, que vive tanto mais por nós que nós próprios. Desejo-te mais que alegria! Muita paz, sossego na cabeça e próspera longa vida!

16 de fevereiro de 2009

Desassossegada, eu.

"Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos gestos faciais de com quem falo, recolho as entoações milimétricas dos seus dizeres expressos; mas ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi a noção do que nela se disse, da minha parte ou da parte de com quem falei. Assim, muitas vezes, repito a alguém o que já lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele já me respondeu; mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas, o semblante muscular com que ele disse o que me não lembra, ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa que me não recordava ter-lhe feito. Sou dois, e ambos têm a distância - irmãos siameses que não estão pegados."


Do Livro do Desassossego.

25 de janeiro de 2009

Sou involuntária!

eu estava cansada de tentar ser o que você achava que sou. Tem um lado mau—o mais forte e o que predominava, embora eu tenha tentado esconder por causa de você—nesse lado forte eu sou uma vaca, sou uma cavala livre e que pateia no chão, sou mulher da rua, sou vagabunda—e não uma 'letrada'. Sei que sou inteligente e que às vezes escondo isso para não ofender os outros com minha inteligência, eu que sou uma subconsciente.


(...)


Em algum lugar existe uma coisa escrita no muro. E é para mim. Das chamas do Inferno virá um telegrama fresco para mim. E nunca mais minha esperança será decepcionada. Nunca. Nunca mais.


(...)


O ar tinha gosto de sábado. E de súbito os dois eram raros, a raridade no ar. Eles se sentiam raros, não fazendo parte das mil pessoas que andavam pelas ruas. Os dois às vezes eram coniventes, tinham uma vida secreta porque ninguém os compreenderia. E mesmo porque os raros são perseguidos pelo povo que não tolera a insultante ofensa dos que se diferenciavam. Eles escondiam o amor deles para não ferir os olhos dos outros de inveja. Para não feri-los com uma centelha luminosa demais para olhos.


CLARICE LISPECTOR, Onde Estivestes de Noite, Rocco, 1974, p.19.

24 de janeiro de 2009

Mulher Despida

Talvez a verdadeira excitação esteja, hoje, em ver uma mulher se despir de verdade - emocionalmente. Nudez pode ter um significado diferente. Muito mais intenso é assistir a uma mulher desabotoar suas fantasias, suas dores, sua história. É erótico ver uma mulher que sorri, que chora, que vacila, que fica linda sendo sincera, que fica uma delícia sendo divertida, que deixa qualquer um maluco sendo inteligente. Uma mulher que diz o que pensa, o que sente e o que pretende, sem meias-verdades, sem esconder seus pequenos defeitos - aliás, deveríamos nos orgulhar de nossas falhas, é o que nos torna humanas, e não bonecas de porcelana.
Arrebatador é assistir ao desnudamento de uma mulher em quem sempre se poderá confiar, mesmo que vire ex, mesmo que saiba demais.

Não é fácil tirar a roupa e ficar pendurada numa banca de jornal mas, difícil por difícil, também é complicado abrir mão de pudores verbais, expôr nossos segredos e insanidades, revelar nosso interior. Mas é o que devemos continuar fazendo. Despir nossa alma e mostrar pra valer quem somos, o que trazemos por dentro.

Sinceramente, não conheço strip-tease mais sedutor.
MARTHA MEDEIROS

15 de janeiro de 2009

Sono pesado

Tem dias em que eu preferiria estar completamente sozinha, silenciosa, conversando com os meus pensamentos e gestos, nada mais. O que me impede? Obrigações sociais. Se não tenho de cumprir um dever, tenho de comparecer nalgum lugar, fazer valer estudos, amigos, relacionamento, fazer valer imagem, fazer valer um público, trabalho, fazer valer o dinheiro gasto. Bem, desta vez, por mais que eu não deva ter feito, desliguei o telefone e me despluguei do mundo. Passei a maior parte do dia na cama. Sonhei paisagens ruins pela manhã e aventurei pela tarde em um museu onde me perdi, movendo apenas os músculos sutis do corpo-memória, em busca de passagens secretas.

Em mim?

Da madrugada ao dia que deixei raiar por detrás da janela, tive um sonho descordial, mas não por maldade pura, foi por vingança mesmo, ódio pintado nos olhos com o vermelho mais sangrento. Surtiu alívio quando vi o inimigo chorar após tê-lo ofendido com as palavras as quais talvez nem tivesse usado no plano das coisas reais. Só que num sonho é tudo tão possível que se eu pudesse matava, livrava meu ser de certa gente que me desgasta com sua simples presença.

Felizmente ou não, despertei, já de pronto criticada por tanto tempo passado dormindo. Almocei por volta das duas da tarde, sem conseguir resolver um grão do que almejava. Burrocráticos! Isso desgastou minha cordialidade pelo resto do dia. Fui ler quadrinhos até ter minha preguiça ou afetividade de volta. Preferi adormecer, claro, com um peso de preocupação no estômago. Sonhei com uma excursão a um lugar desconhecido e imenso. Havia mar, navios, portões altíssimos e árvores. Adentrei uma espécie de museu, havia salas de aula, livros empoeirados, artigos diversos tais fantasias, objetos de guerra, pequenos lemes enferrujados. Lembro que guardei um desses comigo. Subi escadarias sem fim, alguém me puxou pelo braço convidando a correr sem destino certo. Acabamos por nos perder. Gritei por ajuda, então um velho abriu uma portinhola quase invisível no solo: água. Não confiei nele, tive medo do nado e segui por outras portas erradas. Um alarme convocava a sair do lugar antes que todos os cadeados se fechassem.

Acordei banhada em calor... Não falei com mais ninguém.

10 de janeiro de 2009

Desmama terna

Eu lá nasci pra esperar. E olha que eu cumpri os nove meses dentro da genitora que optou por cesariana. Minha maternidade, se virá, será tardia e normal. Assumo plena de certeza porque me precavejo sempre contra crianças. Enquanto não deixo um bendito fruto do meu ventre para o mundo, vou experimentando o quanto posso esses améns mundanos. Prazeres. Desejo: tudo o que uma barriga pode matar na mulher, assassinando mais ainda o lampejo do homem. Um parto priva, fora de hora, o participar intenso do mundo, pois este passa a girar em redor de um útero ocupado e do novo ser vivente então exposto. Surge a posse, as perdas, os bonequeamentos sobre o bebê, a ânsia inconsciente de torná-lo o que nem ousamos ser. Isto na maioria das vezes. Por isso eu quero ser o que puder, o quanto necessitar, a fim de não despejar no seio da minha criação rompantes de criador. Não preciso de um rei na barriga. Não almejo frustrar vidas, quanto mais a minha própria. E quem não se condoeu, doou-se, fala maravilhas acerca da pró-criação. Só que pouco me entusiasma ouvir a choradeira dos filhos de chocadeira pelo mundo das dores, Maria! Nem o menino Jesus se salva, reza ele que salvou toda a gente, embora eu acredite no Pai mais do que tudo. Prefiro ser má e terna a ser boa Amélia. E se for dar a luz, que seja a de uma lanterna!

5 de janeiro de 2009

Sonhatório

Pulei muro em sonho, escalei andares de prédio. Sempre fugindo, sempre fugindo. São estes os meus recorrentes do sub. Quando não é fera correndo atrás, é homem ruim trajado de alguma autoridade. Contudo sempre escapo, sou safa ao bater portas na cara, faltando pouco para o desconhecido me devorar. Daí me vem a sensação de cair da cama e acordo como se meu espírito voltasse pra dentro. Por que? Quando era criança, minha mãe dizia que eu estava crescendo. Mas e agora? Ouço de especialistas que o corpo só se expande até os 21 anos. Já passo disso, minha cronologia está de bom tamanho.

Livre sou em sonhos como todos, creio. Gosto de voar, nado sereiamente bem também, embora na realidade o meu pavor de afogamento me sufoque em qualquer piscininha mais ou menos funda. O que explica? Traumatizo e almejo aprender a nadar, por fim. Só não sei quando. Pressinto que devo me jogar mais ao profundo. É, acho que encontrei a tradução pra isso, sair da superfície de ser. Ser mais em mim ou ao menos começar a imaginar que sou um peixe sem tanto medo d'água, fora dela. E então, quando adentrar, poderei respirar o novo como se já me fizesse parte há um bom tempo.