20 de fevereiro de 2013

RECORDAÇÃO


Grata, gratíssima, fui presenteada por um amigo de longa data com palavras que acredito serem, poeticamente, proféticas. O autor do belo texto que se segue é o rapaz da foto abaixo, tirada provavelmente em 2004, numa palestra de um guru indiano na Universidade Estadual do Ceará, onde cursamos Letras juntos. HARE KRISHNA!

Alguém acabou de dizer que você estava aniversariando e de imediato me veio à mente imagens que percebi serem um mini-conto em prosa poética com um título longo e sem sentido. Sim, tudo isso aqui é um título.

                                                                                                      
Mas faz todo sentido, você, parada, segurando algumas palavras entre os dedos trêmulos, mas firmes, prontos para abrir e deixá-las despencar no mar ou num abismo com o mar lá embaixo, não sei ao certo, essa parte na minha mente ficou meio escura. Por conta dessa escuridão semântica também não sei ao certo se é o nosso amigo ou alguma outra pessoa de aura púrpura que vem e se apieda das palavras, intercede por elas. Não as abandone. E se ninguém mais tiver o mesmo feeling para chegar a criá-las? Isso é um aborto! Você está cometendo um aborto! Não, você diz, com uma expressão de bêbada cansada com tímpanos delicados, não. As palavras já nasceram. Não é um aborto. É um assassinato mesmo. Você, Paola, acredita com fervor muçulmano e sensatez budista que as palavras não pertencem a quem cria, nem a quem as recebe, mas ao tempo e só ao tempo. E não é tempo. E então você lança as palavras lá (?). E chora. Não há mais ninguém ao redor. O cara de aura púrpura não esperou para testemunhar o que sabia ser inevitável. Uma virada de esquina e você já nem lembra mais do fato. Bate uma fome e o dilema poético que há pouco parecia ser vital dá espaço a um outro: comer salgado na próxima lanchonete ou esperar pelo almoço.
 
Muito tempo depois, muito mesmo, tanto que eu já nem estarei mais aqui, você abre um livro, uma antologia de poetas africanos e passa as páginas meio desinteressada. Hoje em dia a África não passa de uma referência de dor, lamento e pobreza, mas daqui a alguns anos, espera só, vai ver, a poética abissiniana vai estar em todas as prateleiras ao redor do mundo e as pessoas finalmente vão entender que Rimbaud não trocou a poesia pelas savanas. Ele foi morar na poesia. Bem, voltando a você (a propósito, parabéns), lá está você sentada num banco de praça que fica em frente do prédio onde você mora em Bremen. Depois do início da Guerra Civil, que é mais uma guerra cultural, você abandona o grupo literário do qual faz parte e sai em excursão pela Europa com uma banda Indie. E está em Bremen agora. Com a antologia nas mãos, os textos metrificados começam a chamar sua atenção mais do que a paisagem cinza e desolada da praça e uma aqui, outra ali, você encontra palavras que fazem sentido para você. Mais, que são suas. Você sequer lembrava. Ali estão, vivas, reencarnadas. 
Talvez nada do que eu tenha escrito aqui faça sentido para você. Nem para mim. Mas em si, elas, as palavras, se bastam. Elas viajam pelo éter do universo de forma imperceptível, são absorvidas pelo corpo de alguém “inspirando” ideias para desenvolver, seja pelos poros  pelas narinas, pelo cu ou pelo bico do peito, sei lá, e, se não encontram vasão, são “expiradas” e voltam a fluir até encontrar o hospedeiro que possa lhes dar concretude. Não matamos as poesias das quais desistimos. Nem somos proprietários das que compomos. Apenas tentamos lidar com as palavras que nos invadem e, na impossibilidade de sustentar as mais pesadas, largamos tudo no primeiro lá pela frente, porque mais importante do que uma poesia magnificamente enquadrada é a liberdade, dela e nossa. O tempo, pesado por natureza, que se encarregue do resto e transforme as palavras em algo mais ou nos prive dela no cárcere da existência muda.
 
Uma vez mais, agora oficialmente, parabéns.

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