A gente se acostuma a tudo: das costas, que só se veem através do espelho, até os cotovelos enrugados. Nunca vi a raiz do meu cabelo, nem a nuca, mas me sei em crespidão e arrepios quando em contato com o além de mim. Miasmas. Sempre quis me beijar as vísceras, mas eu só senti, batendo-me por dentro, ardendo-me o suco gástrico pelas paredes do estômago. Basta estar vivo e imaginar um mundo sem muros dentro de nós, vermelhidão-tijolo. Ter um coração já basta para sabermos quais são as dores, umas mais suportáveis que outras. Nos outros parece admissível, admirável. Louvamos a paixão de um Cristo sem sermos pregos à cruz. Desnecessário. Mas só enquanto não se perde um ente, um algo. Após nos deixarem de mão, sabemos que nada nos pertence nessa existência, nem os pensamentos - somas sobrecarregadas de outras mentalidades, conceitos pré-fabricados; nem os nossos corpos - carnes frágeis, vestimentas fáceis de se perder, quebrar em ossos, arrancar feito palavras de nossas bocas. É tempo da descasca!
O gari convive com o lixo e, depois de certo tempo, as recepções nervosas de seu cérebro obediente convencem-no a não sentir mais o cheiro. O degustador de vinhos ou sommelier requer grãos de café para despistar outros aromas das viciadas narinas. Assim, surgem as doses que se devem aumentar, para que o organismo não crie resistência, alargue-se, tome ar. E Game Over. Over and over again. Ninguém quer perder. Nosso instinto de cachorro cria expectativa ante o passeio e a comida; se não tiver, haja choro. Primitivos tão altivos somos quando batemos o pé, exigimos, enxugamos o gelo e descontrolamos na hora em que falta o ouro, o outro, porque quase sempre não se quer sem; só, tampouco.
É segredo ainda para muitos, mas tudo o que almejamos está dentro do si, sem nomes. O processo é lento e silencioso, composto por mais não do que sim. Experimente não falar por algumas horas, calar também os sentimentos daninhos, as ondas sonoras do interior, não beber por vários dias, não fumar, sublimar o sexo, a carne, a mente em burburinho. Jejuar dos prazeres para alcançar a unidade. A iluminação é como semente. Planta, rega, regra e deixa secar ao sol. Sozinha. Respira verdadeiramente com todos os poros, enquanto caminha. Sinta a barriga elevar e contrair, inspire paz, expire o medo, inspire amor, expire a raiva, inspire alegria, expire consternação. O nada em absoluto é a meta. A seta é o dedo indicador da Verdade. Passado é mindinho.
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