Um caminhão porte abissal passou por cima de mim. Deu voltas insistentes com seus grossos pneus sobre o meu coração de sapo, inchado na beira da estrada. Papoquei. Doeu tanto assim porque sobrevivi. Entreguei-me sem entregar de todo, por saber das opções que a vida me dava: inclusive a morte. Senti cada fisgada e ardor com as camadas de sal derramadas de sua carga sobre o meu dorso em viva carne, que o choro, por ser tanto, amorteceu metade do peso do momento. Passageiro. Caía de cansaço, dormia vencida pelo sonho de levantar melhor no amanhã, como um sol que nunca falha. Veio a tardar. Quando acordava, a sensação era pior, cada vez mais dilacerante. Os dias seguintes não vinham como uma promessa de cura. Precisava de remédios que não existiam para o sentimento mais real de todos. A paixão não pressupunha lenitivos. Não podia ser amor, eu não podia amar - era o que o motorista me dizia convicto. Ele queria me ver roxa, sem ar, até o músculo voltar à alegria, para passear entre meus átrios novamente. Mais do que se entreter com meu sofrimento, o guia não esboçava sorrisos de vingador ou encenações de vigarista. Ele parecia querer me dar um aviso lancinante, que ia além dos seus anseios primordiais. Examinava meu urro animalesco sem regojizo aparente, mas com uma frieza voraz.
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