2 de outubro de 2013

EFÊMERA

Apego é uma doença que se pega contínua pela raça humana. Só quem perdeu tanto pode se acostumar com desenlaces. Por vezes, acho que morrer pode ser como desembrulhar presentes. Estar ausente soa mórbido a quem precisa sempre se atar a presenças. Todos que se sabem sós sentem medo. O exercício de espiritualizar-se neste mundo das concretudes machuca, como se nos crescessem asas pesadas nas costas, mesmo estando certos de que o voo nos porá mais leves. Não sei a ordem justa dos tamanhos, mas me parece que quanto maior a alma, maior também o sofrimento. A cada um cabe seu fardo: se o defunto for menor, batamos as botas para medir as pegadas do outro através do nosso encalço, pois vestir o paletó de madeira é só um passo para a eternidade. Mas será? O que teremos de nós? Apenas seremos enquanto ainda somos. Lembrança é outra coisa que se perde. 

Temos que ceder lugar ao próximo, como assim fazemos ou deveríamos fazer com os idosos em filas e ônibus. Uma convenção social pode carregar implícito o significado de que, ora, se são velhos, já esperaram bastante e sofreram, então não nos custará deixá-los passar à frente. De igual forma ocorre com as grávidas, queremos facilitar o processo tanto de ida como o de chegada, haja vista nascimentos serem dolorosos ou exigirem maiores cuidados. Possuímos o desânimo por sermos seres animados. Aqui, estamos mesmo só de passagem. Somos finitos se presos a um novelo de pensamentos individualistas, porque se nos aceitarmos enquanto entidades cerebradas que se intercomunicam feito gotas de oceano, neurônios com seus neurotransmissores, reconheceremos que não há todo sem suas partes. Somos compostos por uma argamassa universal, transitória, sempre mutável.

Um corpo pode viver com os membros amputados. Por redobrar esforços, acaba por desempenhar-se melhor em novas atividades. Sem visão, aprimora o olfato, aguça a audição ou o tato. De maneira semelhante, acabamos por nos acostumar com a perda de entes queridos. Temos de nos conformar com nossas lacunas, preenchendo-as de novas possibilidades. Exemplos típicos de readaptação com o destino, já que em desatino ou não, nada é por acaso. A natureza nos instintou de sismas com a criação, logo, passamos a criar. Criamos para tentar não deixar passar nada em branco. Papel, tela, escola, palco, lar, família, amigo, amante. Escrevemos a história dos instantes.

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