30 de outubro de 2012

BEBEDOURO



Ao tomar porta-retrato no abraço, embebi meus olhos de tanta lembrança...
Criancei, corri, caí, senti a dor só após um tempo, até que chorei, sem colo
Tentei descolar teu cheiro da mente, embora forte presença que não ignoro.

Então, teu corpo ressurgiu e me sujou de alegrias, suou todo o meu deserto
Ressoou companhia ao mirarmos miragens idênticas, redescobrimos a fonte:

Onde? Quando eu quiser um trago, tu me trarás beijos e gim.
Mas quando quiseres de mim um afago, terás sede sem fim.

23 de outubro de 2012

HABITADA

Lacrimal nenhum fará à natureza
Quando esta se emprenhar de tua reza
Vai brotar a réstia da esperança
Feito um índio a migrar desse planeta

Canoa furada em lagoa mansa

Não vira em maré ao atingir enseada
Amarrado um chocalho no pé
Sobe ao galho sem querer pertencer

O amanhecer não foge à regra

Existir é negra fonte, inesgotável lida
Ao anoitecer em sonho punhado de areia
Faz um bebê amamentar-se do passado  

Ilha pariu uma porção de terra

Sua filha então passou a ser circundada por água
Todos os lados choraram por ela
Bolsa estourou mar em vida.

19 de outubro de 2012

IMATERIAL

251  memories, feelings of being lost and found, soulful
Embora sabendo da existência daquela seção de Achados e Perdidos, fez questão de levar tudo a perder, porque tudo já estava meio que perdido mesmo. A esmo... Esquecer poderia aquecer a alma com algum equilíbrio: ebulição de vida. Foi embora e desapegou para sempre do que supôs tão memorável quanto uma estátua de bronze no meio de uma praça, deixou dentro de um cofre guardado por alguma boa alma ou algum gênio da lâmpada o seu arsenal de vícios e vicissitudes. Agora se sentia mais viva, sangue novo em transfusão, o punho livre. Do abandono consentido, encontrou-se ao final. E pelo extravio de olhares, alhures, ninguém mais fora encontrado por ela. 

16 de outubro de 2012

ENAMORAMENTO



Por: Paola Benevides

Flerte entre retinas nunca se dá em linha reta.
Mar se pôs a engolir horizonte com sol e tudo.
Fez-se a noite, então, para os cegos de amar.
Despencou luar cá dentro do vesgo momento.

E agora, como enxergar todos os náufragos a salvo?
Como atingir o alvo dos corpos em beleza reinantes?
Assim, passaremos a ver esses espíritos que somos.
Dentro de um sonho, à espera das estrelas cadentes.

15 de outubro de 2012

QUEM

Você é
Você erra
Você fé
Você ferra
Você, na sede de ser, até cede
Pede à maré para lhe trazer na multiplicação dos peixes.
Você nada
Você tudo
Você no mundo do poço
Você no topo do fundo
Você foi e já era
Água salgada, guelra e paz
Você é o que lhe faz
Como tanto fez
Você é espera
É lama, grama, tempo e todo esse arfar que jaz na terra.

10 de outubro de 2012

O QUE PAIRA NO AR PERMANECE


Às vezes, apego-me a certas coisas tão irrisórias, como ao besouro que rondou meu quarto há quase um mês e hoje ainda se encontra sobre um chapéu feito bótom, meio assim: fossilizado.

7 de outubro de 2012

TIMING


O tempo fazia ponteiros de relógio com bigodes de Dali
Quando o velho acometeu-se da perda dos cabelos,
Mais nenhuma mecha havia ali.
Compunha odes e réquiens a todo instante
Enquanto crianças degolavam seus brinquedos
Sem tantos medos, davam corda na vida 
Pulavam barbante sem nenhum alarde.

Acionavam o alarme sem demora na saída
Uns vão, outros ficam - que assim ela permita
Não há regra que se repita, é pelo fim que se começa
E para não perder a hora nem a cabeça, boneca:
Esqueça! Os segundos ainda serão os primeiros
Os minutos farão minuetos em sol maior
Para os cucos na porta de entrada.