28 de setembro de 2012

FLORIDA



Cultivar esperanças é manter as plantas verdes.
Criar expectativas é como regar ervas daninhas.
Cresce mato seco e alto ao redor dos covardes.
Caule de árvore enrijece tal espada sem bainha.

O tempo veio ensinar a manter sua lida fibrosa.
Semear, através de ventos fortes, fresca brisa.
Colher, em meio a frutos bons, vida frondosa.

11 de setembro de 2012

EXCITAÇÃO


Não querias me ouvir a leitura em voz alta
Mas despir meu equilíbrio com tontura
Óculos trucidados sobre o colchão
Pelo peso dos nossos corpos

Tão mortos de tesão estávamos
Que não lemos na entrelinha
Outros livros é que folheávamos
Abaixavas a minha calcinha

A citação na ponta da língua
Palavra não dita, ejaculada
Verbo comido
Locução enrabada

9 de setembro de 2012

ÓSCULO NO ECURO


Ainda estou traumatizada com o golpista
Quis me matar sufocada com aquele beijo
Enfiou sacola na cabeça sem deixar pista
Como ratoeira aguarda mordida no queijo

Faltou muita saliva à minha baba no dente
Afinal a boca tem de ser bem chupada
Percebi que eu esfomeava de repente
Quando era para me sentir incomodada

Mecanismos de ação bactericida
Não nos deixam imunes à nada
Se bem que há boca contorcida
Que parece até lamber calçada

Senti a língua se mexer com certa raiva
O suor foi me prendendo todo o fôlego
Roubo de hálito dá cárie? Não que eu saiba
Mas senti: barbárie de amor é um fenômeno!

8 de setembro de 2012

É PALAVRA


Não te venha às pressas me dizer
O que não quero lhe faltar ao partir
Nem vou me falhar com tolas promessas
Nunca mais me terá de cumprir

Palavra, nos lábios, confio nela
Tal comida na goela empurrada
Derramada em vômito por culpa do engasgo
Rasgo nenhum de fastio vai calar a minha boca
Do âmago, do estômago ou o que me dela sobrar

Tenho calo, estou rouca
Corda vocal bamba
Pendura existência em forca
Perdura a morte na lembrança

7 de setembro de 2012

UMBRAL


Desgosto dos egocentrados a mirar o próprio frio
Impotentes de atenção ao bem, a outrem, ao filho
Encolhem-se dentro de sua mansão teto de vidro
Quebram elo com a facilidade de gelo em salpicos

O umbigo descende de um rei dentro da barriga
Abrigo para a indiferença e suas coisas plásticas
Só pensam no si e no não, perderam a memória
Recusam carinho e briga por fenecerem paixão

Dou de ombros agora a quem pedir uma mão
E esquecer do irmão desabraçado lá fora...
Seres de umbral que se pressupõe em brilho
Notarão que o trem saiu do trilho com demora.

6 de setembro de 2012

ARDIL


Acendi uma vela sobre a tua lápide
E lá fiquei presa à espera dos meus dias
Defumava ausência entre incensórios
Vendo cair as tardes do que amanhecia

O frio a me transpassar era avassalador
Mas me mantive lá com lábios roxos
A relembrar do amor tal pedra de rio
Matando peixes feito um chinês sábio 

Até o tempo é falho aqui, vou esquecer de ti
Estou indo embora, querido, pavio encurtou
Derramou-se em cera teu fogo, coração oscilou
Em minha mão que não pediu por consentimento

Não me apague a luz
Lave pus com vinagre
Consagre na dor
Um grito por alarme

Quererei apagar minha última chama a teu lado?
Não. Teu além está aquém de mim, meu amado.

5 de setembro de 2012

MOCINHA OU BANDIDA?


Sem balas na pistola
Só doces dentro dos bolsos
Quem precisava saber?

Não enrola, senão eu atiro...
- Descola logo essa grana!
Miro no colchão
Tem dinheiro debaixo da cama

- É a polícia, lá vem ela!
Brinca com a sorte
Quem sorri para a morte
Estando banguela

Velha injusta essa Justiça
Sem pesar nenhum dos lados da balança
Vendada tal uma criança
Parece mais usar uma dentadura postiça

4 de setembro de 2012

REVOADA


Quando o âmago anda amargo
Melhor amar, melhor atar
Um afago à cintura e urrar

Trepar no salgueiro
Salgar o sapo
Evitar príncipes e seus princípios de bueiro
Amarrar a boca e comer apenas pássaro

Borboletas no estômago?
Tanta leveza me põe magra
Tragam-me asas ao ventre
E me alcem voo no flagra!

Quero bico na auréola do peito
Seio de anjo que tem sexo
No meio do teu plexo solar

3 de setembro de 2012

ENLUTADA



Estou de luto
Pelos que matei em pensamento.
Estou na luta
A favor do armamento em massa.
Desamar é tiro e queda
Caiu? Amor é febre que dá e passa!

É cu e cura, sua coragem ameaça.
Faz engatinhar, depois engatilha.
O dedo afunda até alcançar ferida.
Bulina o medo, faz figuração e figa.
Muitas vezes, nem faz nada, espera.

Desconfigura toda uma raça com sua granada.
Bomba de sangue que recocheteia, erra de veia.
Cheia de véus, bolo de casamento com recheio de vaia
Enquanto a Terra treme, o amor lhe trai.
Que este inferno de céu só loucos atraia.

2 de setembro de 2012

VIA MUNDO


Não sou estranha, sou estrada.
Dirijo meus passos
Sem precisar ser refreada.
Posso parecer estrangeira
Em  meio à legião de fantasmas.
Pele de bruxa reluz na fogueira
E me deixa mais pálida.
Parecer alma não quer dizer
Que tão cedo vá perecer.
Tenho medo só do que me enfada.
O além me abre horizontes
Feito uma via de mão dupla:
De um lado, arco-íris,
De outro, pote de ouro.
Tudo assim, muito certo.
Aberto caminho.

1 de setembro de 2012

OCA


Não há vazio por dentro
Quando se é abrigo

Nunca disse que era santa
Já bebi muita cerveja
Serrei pau oco e fiz cabana
Cruzei feito égua em porta de igreja

Sob minhas palhas, habitaram muitas famílias
Brasília, Ceará, Maranhão e Santa Catarina
Camarão, alguns canalhas e tralhas de coqueiro

Ainda vou amanhecer Iracema em Copacabana
O Rio de Janeiro de minha mãe saiu a pescar uma sina
Mas as naus agora se fincaram pelo Norte

Por sorte, a sabiá fugiu do incêndio à minha palmeira
Sábia, fiz peneira para sol e novo compêndio de rimas

Lá longe lancei anzol
Alcei o hoje como um índigo afluente
Eis o meu dia de índio
Agora sou toda nascente!