20 de junho de 2011

VERACIDADES TORTAS

Seria no mínimo nojento eu se registrasse todo o meu torpor após um grande alívio fisiológico. Dei duas descargas e pensei por uns minutos na vida, assim, com maior lucidez. Estou calma e com a mente fluida, pensando em quão nonsense é a realidade, em quão dura pode ser a vida. Tipo aquela mãe escolhendo atenta cartelas de loteria por meio da numeração que ela supõe ser a válida, uma confiança em certos números que, segundo suas crenças aleatórias, poderão trazer mais sorte. Aquela que acredita piamente, mas não ganhou nada até agora. Ao menos é uma distração, coitada. Quem sabe quando ela achar uma cartela despretensiosamente, sem escolher tanto, ganhe algum prêmio em dinheiro e nem saiba, por não ter conferido o jogo a tempo, por essa mesma distração envenenada. Talvez se as pessoas parassem de pensar um pouco no dinheiro, a fortuna viesse mais fácil. Os acontecimentos pregam peças na gente quando se quer ser mártir, um Jesus amargo pregado na cruz olhando pra humanidade e dando graças a Deus por não fazer mais parte dela. Eu até poderia dar conselhos, mas há cabeças tão duras quanto a realidade delas. E elas as supõem diamantes sem ao menos polir os carvões. Quando não se desmancham, incendeiam por bobagens. É por isso. A dureza é impressionante. Vejam os velhos ricos, não são duros no bolso, claro, mas nem levantam mais. Levantar o quê? Ora, o seu Jesus crucificado pela idade, mais perto do céu. Erguem-se só as almas ali. Doa-se, às vezes, à caridade institucional cheia de moribundos e de esperanças antes de morrer. Com o tempo, a vida vai ficando flácida. O juízo se acomoda a uma poltrona, toma doses cavalares de enlatados televisivos ao chegar do trabalho cansado. Nos finais de semana há o descanso. 

Quando não há mais trabalho e o descanso é todo dia, inventam-se novos pretextos para se manter ocupado. Conversar, amar, beber, dormir, rezar, tudo vira ficção na tentativa de saciar nossas volições insaciáveis. Pelo menos, por algumas horas. Geralmente as que ficam para tia precisam de romances água com açúcar. Viver é aprender a oscilar feito música. É a coisa mais sadia quando faz sentido e bate continência a uma rotina de ações menos mecanicistas, com disposição de soldado para o imprevisível que nos comanda por dentro. Porque não se sabe do amanhã direito, só indiretamente. A procura pela felicidade é o que nos mantém atentos e ricos, pois todo mundo já garimpou umas alegrias em períodos de bonança. Planeja-se e mesmo assim se pode ser surpreendido. Dá raiva, mas é aí onde está a graça. Por exemplo, antes de escrever isto eu estava na privada, reflexiva em tom impressionista, O Pensador de Renoir despejando uma cólica que pensei ter se diluído cano adentro. Agora ela está voltando, o que significa que não estou totalmente limpa. O organismo ainda quer por o lado ruim para fora. E isso é tão humano feito quem registra seus peidos como sopros de vida em um blog. Não é assim? A gente diz: "já passou, eram só gases".

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