20 de março de 2011

Ofusco

Sequei um dos poços de mim esta noite. Assustadora profundidade que me chama cada vez mais para dentro. Conto as estrelas olhando para baixo sem cálculos. Agora tente achar o pote de ouro por ali. Você nem consegue ver o arco-íris, não é? A ferrugem protege um interior cheio de preciosidades guardadas. Tente achá-lo antes que se fure com as lágrimas ou antes que o sol se ponha de vez por trás de todos esses olhos gordos. Está demorando tanto, que verei se guardo em local mais apropriado, perto dos que me detém quase todos os segredos e não desmanchariam conhecendo meus delitos tão humanos. Você teria medo, eu lhe garanto. Isso explica tanta superfície avermelhando suas retinas. Deixe-me cuspir bem na menina dos seus olhos para ver se ela cresce. Nada como o colírio da realidade disfarçada, eu sei. Deixe-me brilhar do avesso com minhas estranhas entranhas. Sei que parece errado fazer o pedido a uma cadente. A beleza que você conhece é rósea, tem medo de dar outra cor à ela. Preconceitua meus tons negros com seus sonhos pálidos. Então, saio a procura do princípio na perspectiva de um precipício. Começará a chover em meu poço como outrora. As estrelas se turvarão na água e algo novo atrairá minha atenção, tal uma nascente, um sol fumegante ou um voo pesado de pássaro molhado, esperando que eu o seque de todos os seus pecados (com os meus).

11 de março de 2011

The Lady In The Looking Glass

ENTÃO ELA ESTAVA PENSATIVA, PORÉM NÃO FAZIA NENHUM PENSAMENTO PRECISO. ELA ERA UMA DAQUELAS PESSOAS CUJA A MENTE MANTÉM SEUS PENSAMENTOS ENREDADOS EM NUVENS DE SILÊNCIO - ELA ESTAVA CHEIA DE PENSAR. SUA MENTE ERA COMO SEU QUARTO, EM QUE AS LUZES CHEGAVAM BRILHANDO, SALTITANDO E PISANDO DELICADAMENTE, ABRINDO CAMINHO. E ENTÃO TODO SEU SER FICOU IMPREGNADO, TODO PREENCHIDO DE UM PENSAMENTO TÃO PRONFUNDO… ALGO COMO UM LAMENTO SILENCIOSO.
 Virginia Woolf

9 de março de 2011

Se você pudesse ter um quarto do jeito que desejasse, como ele seria?


Em meu quarto atual tem quase tudo o que desejo, exceto pelo calor que me incomoda por demais, mormente à tarde, período do dia que mais aprecio - mal aproveitado, portanto; e pela distribuição caótica das coisas, um tanto amontoadas. Está tudo tão bagunçado de um jeito, que nem me dá vontade de arrumar. Sinto preguiça só de olhar.

Por isso, se eu pudesse escolher o meu cantinho ideal, este teria muito espaço, menos móveis, mais almofadas, cama de casal, alguns livros, pouca poeira, vinis e um Home Theatre... Adoraria aquele ar Vintage permeando os cômodos com um quê de moderno: a minha máquina de escrever ao lado do computador, por exemplo; puffs coloridos; monstrinhos de pelúcia; um colecionário Geek que incluiria bonecos de personagens de filmes ou action-figures de astros do rock, além de réplicas da Pop Art. 

Algo Zen poderia vir a calhar, com uma varandinha bem sortida de plantas pequenas, tal um Bonsai; estatuetas de Buda, gnomos; sino do vento; incensos e uma fonte com luzinhas relaxantes, jorrando água sem parar... Outra parte da decoração seria minha em autoria, entre escritos, colagens e desenhos na parede. Reservaria também um lugar especial para a livre manifestação artística de quem viesse me visitar, para autógrafos, pensamentos e afins.

Se bem que, ao arquitetar um quarto tão grande assim, melhor seria se um apartamento fosse. Daí então eu nem sei se sairia de casa tanto quanto saio hoje. Daria maoir valor ao meu ponto de pouso e repouso.

Resposta dada no Formspring:

3 de março de 2011

Lacto-expurga

Dia desses, falando sobre dieta com um amigo, este aconselhou saudavelmente que eu deveria me prover bem mais de cálcio que outrora. É que tendemos a perder força nos ossos a partir dos vinte anos de idade. Compreendido isso, esta madrugada resolvi preparar um copo de leite sem açúcar, com um pouco de achocolatado antes de dormir. Enquanto o bebia, resolvi abrir ao acaso a biografia mais recente de Clarice, escrita por Benjamin Moser, justo na página 205 do capítulo 14 - "Trampolim da vitória", quando ela rejeitava qualquer comparação com aquele famoso existencialista francês:


Minha náusea inclusive é diferente da náusea de Sartre, porque quando eu era pequena não suportava leite, e quase vomitava o que tinha de beber. Pingavam limão na minha boca. Quer dizer, eu sei o que é náusea no corpo todo, na alma toda. Não é sartriana.

Há sincronicidades entre literatura e vida. Quanto à bebida láctea, via de regra, hoje consigo tomá-la sem náuseas pela consciência do bem cuidar em si. Eu que aprendo aos poucos a ser minha própria mãe, sigo amamentando meus momentos, enfim. Mas alguma náusea do mundo ainda toma conta de mim, só não sou dessas de provar o interior da barata como resultado de uma busca filosófica abstrata:

Por que eu teria nojo da massa que saía da barata?, pergunta-se G.H. Não bebera eu do branco leite que é líquida massa materna?