15 de dezembro de 2014

MEIO SORRISO

Sem desdém de Monalisa, um réquiem dentro do peito. Brisa fresca ao luar. A gestação do que pode ser, se o universo conspirar. Estrela da sorte, a morte do ido e o nascimento do doido, o crepúsculo dos ídolos dentro de um ósculo platônico. Enquanto isso, respiro, sem aspirar a nada, porque já sou. Amar com um remo na mão, sem rumo certo. Meu temor anda destemido, só teimo no gemido do gozo. Mastro ereto. Alimento-me do que é caro, sem custar, nem cuspir o prato. Meu predileto é sonhar gostoso.

8 de dezembro de 2014

INSTINTO

O Amor é um bicho. 
Nem precisa de palavra. 
Agarra o braço sem pedaço arrancar. 
Quer companhia humana a par da própria liberdade. 
Paz de meramente no ser estar. 
A esmo, sem espera, uma fera sabida. 
Estranhamento não há. Lambe a ferida. 
Interação verdadeira que cheira intensão no ar: 
Desprecavida. 

5 de dezembro de 2014

HUNGRY LIKE A DOG

Meto-me entre cachorros à janela do carro, 
a deglutir o vento pela metade. 
Cadela intempestiva que sou, ponho-me a latir, 
tirando sarro da liberdade.

20 de novembro de 2014

FAMÉLICA

Vamos levitar ao som do entusiasmo, 
convocar o Leviatã insurreto 
a mergulhar no próprio engasgo. 
Salivar é preciso!

15 de novembro de 2014

BAMBA

Existir de um extremo a outro
para bem saber dosar a vida.
Nem tanto, nem tão pouco:
do olá à despedida.

13 de novembro de 2014

CRÍSTICA CONSTRUTIVA

Toda fé frouxa necessita pregação. Bater martelo à mão ninguém quer. Eis o chackra chaguento da justiça divina. Convicção é sina que não vê.

10 de novembro de 2014

FIO-DENTAL

Falsos sorrisos deixam transparecer um bolor que não flagraríamos em arcadas sinceras. Até uma alface é charme entre dentes felizes deveras.

8 de novembro de 2014

BAÚ

É tempo de cortar fotografias ao meio, relembrar no seio umas dores mortas, a fim de dar lugar ao que mais importa: ao que jamais saberemos.

1 de novembro de 2014

Quadrinha para o Dia de Finados

Existe vida guardada por escrito.
Desfiei linha em versos intercalados.
Vão além dos fatos que eu grito.
Em Santos Sudários meio abstratos.





6 de outubro de 2014

ARBÓREA

Totemic figures painted by Matteo Arfanotti
Queria ser uma árvore. Daria sombra, flores e frutos aos filhos da mãe Terra. Fincada ao solo, inconscientemente feliz de estar ali ou acolá, respirando e fazendo respirar, incondicionalmente. Pode abraçar! Agora, presente, tronco ereto, emanando olor-madeira sem representar barreira alguma a quem passar. Sem sair do lugar, a não ser quando embalada pela dança do vento, sopraria pólen, salvaguardaria ninhos, germinando sementes que caem, displicentes, mas crescendo para o alto, sempre. De toda maneira, quando a gente morre no corpo é mais ou menos isso o que acontece. Natural. Estrumo e húmus: já que somos humanos, afinal.

20 de agosto de 2014

ALIMENTÍCIA

Sem reservas, humores ácidos alojam-se cedo no estômago
Seio com chocolate, desejo de grávida: meio-âmago ao leite
Deite comigo, come desse pão semeado em campo de trigo
Há muitas estradas para um só coração, maçã do amor real
Mordida no bolo e solo de balé, derreteu picolé nesse forno
Nunca soube cozinhar, queimo dedos por qualquer coisinha
Assobiar, aprendi com chaleira cheia, fervendo água do mar
No almoço, jantei bom frango à passarinha e de galo cantei
Em lua de mel, sonho de valsa enquanto as taças enroscam
Faz papel de presente, presença garantida em nossas casas
Casca de noz, o universo inteiro ali, o fruto ainda é distante

12 de agosto de 2014

HORA DO RECEIO


Quando pequenos, desconhecemos o medo das coisas grandiosas. Até que alguém diga para termos cuidado e então nos perdemos. Acuidade visual zero. Passamos a tatear o segredo feito hábito. Trememos. Transferimos o frio dos poros à barriga, preferindo repousar em líquido amniótico, caoticamente indefesos. Hoje, estamos todos velhos. As pegadas permanecem desenhadas no mesmo labirinto. Os princípios se tornaram regras insidiosas que não valeram de mais nada, ao final. Os vícios despigmentaram cabelo, fizeram-no cair da alcova à cova.  Boa viagem! O nado que a vida cobra, por hora, a maré nos devolve em oferenda: coragem.

19 de julho de 2014

EGOLOGIA: por uma Ecologia do Ego

Com o aguçamento da percepção ao longo de nossa existência, ao experimentarmos em vivências ou mesmo em estudos sobre o comportamento humano, deixamos cair por terra todo um compêndio de ditos populares sacralizados pelo uso feito vaso ruim: difícil de quebrar pela unanimidade, que prefere crer nos conselhos seculares da carochinha sem ver necessidade em provar por si mesma esta queda, indo um pouco além da voz desse povo que está longe de ser interlocutor do próprio Deus que o habita. Ora, mas que crianças mimadas não seríamos se deixássemos de levar o dedo à tomada! É prudente que se diga ao menino não subir ao banco pela possibilidade da dor, porém antecipar o medo poderá impedi-lo de crescer através de seu sofrimento pessoal. Pior, ele poderá implantar traumas capazes de estourar durante a fase de crescimento, não maturando mais o que precisaria defrontar. Pequenos, somos gesso, maleáveis para o encaixe perfeito no molde das imposições sociais. Decerto, há provérbios incontestes tais o da água mole em pedra dura, que tanto bate até que fura. Mas e se o vento levar o pedregulho a outro lugar, haverá maré que o engula?

Ao assistir a uma palestra sobre meditação para dissolução de conflitos, o ministrante nos fez a brilhante constatação: crescemos ouvindo nesse boca a boca de pai para filho que Ego e Karma atuam em nós como sintomas ruins. Costuma-se enfatizar a negatividade de um Ego inflado, sem elevar este mesmo balão ao status da bola cheia que nos leva a tomar atitudes corajosas. O Ego, segundo a psicanálise, é a estrutura da mente que reúne nosso senso de identidade, realidade e personalidade, ou seja, ideias e afetos em torno de complexos que, dentro da teoria junguiana, não são necessariamente maléficos. São as estruturas básicas da psique e o Ego é o complexo central da consciência, onde se encontra tudo o que sabemos sobre nós mesmos. Como, então, podemos ser nossos próprios inimigos? Perdendo a sintonia entre como nos vemos e reconhecemos a realidade, algo muito fácil de acontecer, por tantos desequilíbrios dentro desse pacote de relatividades do que posso significar a mim e ao outro. Nossa criança ferida chora quando contrariada, tal um castelinho construído à frouxa areia desmorona pelo chute invejoso do coleguinha na praia. Dói pelo receio de perder a identidade ou pela preguiça de reconstituir-se através do erro. Humildade é desconstrução, não humilhação ou subserviência. O inverso dessa rejeição a mudanças chama-se flexibilidade. Exercitemo-la. Quanto ao que se entende vulgarmente por entraves kármicos, ao afirmarmos que fulano ou determinada situação é o nosso karma (chamarei aqui de encosto quântico), na verdade, estamos deixando de assumir a responsabilidade por nossas más condutas particulares ao apontar o dedo para o exterior, justificando agravos por meio de vitimizações ou infernos astrais. Para cada ação há uma reação. Como ter a ousadia de querer colher já doce o fruto cujas sementes amargamos num descuidado plantio? Paciência: estado de paz e sabedoria ao qual devemos sempre recorrer, sem culpas pelos deslizes passados, com foco no presente desvelador de atos mais salutares, sem lutar tanto consigo e com os outros, apenas aceitando que nada está sob nosso controle, ao mesmo tempo em que se faz indispensável o domínio da mente, racionais que somos. Deveríamos ser.


Fala-se muito também que, ao nos distanciarmos de um objeto causador de crises, estaremos aptos a enxergá-lo por um novo prisma. Cientificamente, ao incidir, a luz é capaz de ali refratar-se. Agora, consegui vislumbrar uma metáfora dentro da lógica, ou melhor, da ótica. Pura física! A todo instante, mesmo que a matéria nos limite a alcançar apenas o tangível, somos flagrados em essência, dispersando cores que nossos olhos ainda são inábeis de mirar. Além do mais, somos tão conexos quando convexos e côncavos em espírito. De nada adianta impedir o fluxo, cortar laços, se continuamos interligados. Até o ser mais individualista hoje em dia deve estar se deparando com as leis de causa e efeito, quando seus feitos mundanos prejudicam o meio em que vive e sobrevivem todos. Essa distância deve ser mantida como medida de sensatez, tal a descrita nas traseiras dos automóveis, a fim de evitar colisões. A conexão está justamente no respeito a esses limites. Seremos ilimitados no dia em que o coletivo souber a hora de fazer a coleta seletiva de seus lixos e encontrar na poeira cósmica sua partícula divina.

10 de julho de 2014

MANTRA INICIAL

Eis que completo meu primeiro ano como yogini. Eu que buscava alinhar corpo, mente e espírito em uma única prática, iniciei uma feliz jornada para dentro de mim. O exterior reflete. Quando as pessoas pedem definições para Yoga, a resposta recai no sorriso, já que se trata de uma experiência muito particular, vasta em possibilidades positivas. Ao perceberem minha satisfação, logo despertam o interesse, então tento traduzir do sânscrito o que temos por "união". Costumo associar este termo ao significado etimológico de religião, do latim religare, o qual nos pode transmitir uma ideia universal de coexistência. Do contrário e afortunadamente, não há qualquer ligação com este conceito ocidentalizado, mas se trata de uma conexão muito maior à consciência: seja corporal, através dos asanas (posturas), seja energética, na conjunção harmoniosa entre tudo que é vivo. Com isso, sou capaz de exercitar não só meu físico, expurgando toxinas através do suor, pondo em circulação sangue e prana (energia vital), ao desbravar cada poro com toda paciência e autocuidado. Minha espiritualidade, em sincronia absoluta, também favoravelmente se manifesta. A saudação Namastê nos ensina bem a reconhecer no próximo uma divindade, assim como nos assumimos deuses de igual maneira. É uma atividade para além da flexibilidade nas articulações, pois requer que aprendamos a articular os pensamentos de forma equilibrada, a domar nossos instintos, ao calarmos em meditação. É preciso estar atento a todas as coisas, concentrado em cada pormenor que a sensibilidade humana possa captar. 

No começo, o esforço parece enorme. No decorrer, a entrega é compensadora. Disciplina e constância na execução dos movimentos, especialmente na contemplação interior, são imprescindíveis a quem deseja aprofundamento. Pessoalmente, nunca me dispus a realizar atividades físicas costumeiras pela sensação de perda de tempo, por não vislumbrar nenhum propósito em treinos repetitivos sem haver o menor estímulo intelectual. Como bem me recomendaram, a Yoga é um verdadeiro plano de saúde, por sua completude. Fiz a escolha certa, portanto, ainda mais pelo fato de me familiarizar a cada dia com partes pouco tocadas em meu corpo, por desafiar a gravidade através do domínio da mente e entoar mantras belíssimos, capazes de aflorar os sentimentos mais salutares. Tudo me soa artístico, leve, libertário... As histórias que envolvem os yogis de todos os tempos são extremamente ricas, tanto dos mestres milenares como dos meus contemporâneos. Fui devidamente apresentada à Hatha Yoga por um casal de amigos vindos da Índia. Durante o ano transformador que lá passavam, vivenciava aqui as minhas mudanças. Quando regressaram ao Brasil, matriculei-me de imediato na clínica em que iniciariam seus trabalhos, um pouco distante da minha casa, motivo pelo qual me instigou a associar bicicleta ao novo ritmo de vida. Uma benesse puxou a outra e assim tenho seguido, obstinada. A alimentação tem mudado, as bebidas alcoólicas perderam relevância, a postura se endireitou, os músculos se desenvolvem, os chacras se ativam e me sinto continuamente integrada à natureza, com a meta de evoluir sempre. Atualmente, a Lei da Atração trouxe as aulas de Yoga para um lindo espaço holístico próximo a mim, onde posso me envolver noutras atividades de expansão, como Reiki e Biodança, na companhia amorosa de espíritos construtores. 

Gratidão a todos os envolvidos nesse processo. Todos sabem no íntimo quem deveras são, porque importam. O caminho é longo, porém, ao lado dos que me incentivam, não há pressa ou cansaço, só Paz e Alegria a cada descoberta. Envolta por seres de Luz, desvelo pouco a pouco a largueza do verdadeiro eu. Minha flor de lótus desabrocha em feminilidade, com suas raízes firmes e seu caule frondoso, passo a passo, nessa dança de Shiva que destrói antigas vestes para criar universos mais vívidos. Om Shanti!

SÂNSCRITO

ASATO MA SAT GAMAYA
TAMASO MA JYOTIR GAMAYA
MRITYOR MA AMRITAM GAMAYA

TRADUÇÃO

Conduza-me da mentira para a verdade
da escuridão para a luz
da morte para a imortalidade.

3 de julho de 2014

PONTEIROS

Tomou-me de assalto o tempo como se fosse um larápio. Rápido, ele. Meu corpo estremeceu por abalo sísmico do próprio eixo. Queixo caído em si. Revi fotos antigas, pessoas amigas que deixaram de ser e outras que ainda caras me são, sem nada a dever, só por gostar de sorrir em conjunto. Ganhei em muito. Nada arrependido. Claro que se eu fosse hoje transplantada ao passado, perplexiariam diante da evolução. Então, agora, eu seria mais em melhor captação. Mas para que soar em 3D para os outros, se a visão nunca reflete exata os sulcos da verdade, as linhas de expressão. Que ilusão todos desejariam por à mostra? 


Valeu cada paisagem, foi divertido, aliás, tudo está fazendo sentido. Uma exímia seleta de amores vãos, porque não me representariam por hora metade do que sou, mas aprendi com o que soltei, pelo que me acrescentou aos bocados. Carrego uma coleção de pipas invisíveis com altos gorjeios. Não eram e foram. Vivi. Erraram tanto quanto a mão do meu próprio orgulho, dos álcoois de nós, dos lençóis embasbacados, das criações, planos que poderiam ter sido plenos, cafés pequenos, alguns amargos, enjoativos, ralos ou fortes, como se o paladar viesse no momento certo do que se havia para lamber, como gato faz quando sara ferida. 

Eu queimei a língua tantas vezes, mas me refestelei na dança, trinquei dentes e xícaras, virei a mesa na frente dos banais, excomunguei muitos infernos. Mereci cada banho e cama de herança. Acordei menina com a dor. Doei amor ao sorrir, brotou minha real natureza com frescor de infância. Nunca mais adormeci como antes. Atualmente, moro em uma casa na árvore dos dias. Quanto aos minutos restantes, é quando minha criança interior se pronuncia que mais o meu destino amadurece.

15 de junho de 2014

FACE À FACE

Em meio a tanta gente sem palavra, imagine hoje em dia quem versinhos ainda faça. Há quem diga que poetar é dom de pessoa falsa. Pobres Fernando, Carlos, Cristina e Adélia! Sendo assim, engulo máscara e meia, pois minha farsa teatral não é mera chantagem com vida alheia. Alguma bagagem carrego, haja arte em vida para não viver represada. Penso em voltar a usar maquiagem pesada, porque ando leve, só não levam muito a sério minha cara. Emocional? Bebo água, meu passarinho nem sofre mais de abstinência. Devem estar me julgando agora, mas estou acostumada. Essa teia social me enregela a alma, às vezes calma, às vezes histérica com tanto achismo, machismo, partidarismo, mas cismo em olhar. Uma hora esse povo pula a janela do primeiro andar.
Há pouco falava com amiga de mais de quinze anos por telefone. Alívio... Passam-se eras, copas, desculpas, amores, fofocas, mas continuamos intactas sem o menor interesse por nada que alavanque vaidades maiores. Uma conversa desnuda vale muito mais que fiada de sexo. Ninguém topa qualquer parada. Rir sem nexo é a melhor de todas as piadas. Aí, outros reaparecem como se não tivesse ocorrido coisa alguma, desmemoriados dos próprios desleixos pessoais, só porque a rede está aberta e o peixe beta que não é besta cai de boca. Eu só sorrisos, numa espécie de ataraxia nervosa. Diversos astrais. Vou me fazer de abestada, que de vítimas o mundo já está cheio. Quem leva porrada não canta de galo, existem brigas maiores em puleiros chamados estádios, octógonos e assembleias, legislativas ou de deus, todos escrevem certo por linhas tortas. Olhos roxos. Ando morta de sono com tudo isso.

26 de maio de 2014

AMABILIS

O que amava o amor nas cercanias da eternidade? Seria uma partícula de poeira a contagiar com espirros os seres amantes? O pólen pousado sobre narizes de esquimó? O nó de marinheiro aportado em âncora? Um porta-retrato sobre a cabeceira branca, só? Eras. Matizes da memória, entre glória e crises, quando todo o mundo se torna poeta mesmo sem dizer palavra. Dois corpos a ocupar um único banco, a bancar toda uma fonte de desejos à base de moedas antigas. Nenhum valor, o que vale é a sorte do pouso à praça. Pombos-correio a selar bilhetinhos com a precisão de seus bicos, a pisar o cimento quente empurrando as cabecinhas cintilantes de trás para frente. Idioma estranho. Portão. Sofá. Cinema. O problema é prestar atenção, sem calcular a medianiz exata dos batimentos cardíacos por debaixo da blusa. 

Quem usa quem por paixão, desgoverna um império todo, ataca por instinto de sedução? O risco do batom delimita em vermelho o que lhe compete, quando a guerra dos sexos vira briga de travesseiros. Beija o espelho, bebe no mesmo copo, suja lençol, toalha, fralda, desamarra calção, lava o pé após tê-lo enfiado na jaca. Jecas tatu a pisar lama, pulando em seguida na cama. Comprazem-se com a poluição sonora de dardejar gemidos à vizinhança inteira. Crianças. Senhores. Jovens. Macacos. Todos acionam os tambores, quebram altas janelas e perfumes em frascos, disparam os alarmes dos carros pelos arroubos. - Isso é um assalto! As mãos ao alto denunciam um pedido aos céus, tomados por uma fé maior em si mesmos. Sem véus ou grinalda, nada de réus ou juízes. Felizes. Amar deve ser como contar até mil a fim de evitar chiliques, usar o cerebelo nos momentos de catarse, fazendo das sinapses a sinopse de um livro sem fim. Um ritual do chá. Um laço de cetim à cabeça da menina. Uma seta ao paraíso. Indriso. 

Visgo de vela em roupa, grudando o algodão à ferida. Um curativo que arde, mas cura até que cicatrize. Cultivam-se varizes de tanto andar e percorrer grandes lonjuras por várias vezes, tamanha é a vida. Arrebentam raízes. Juras de amor devem haver no momento em que se tilintam as taças ou se tocam os dentes. Há mentes que se fartam só de sonhar com os seus descendentes, na ascendência das estrelas, a agradecer por tudo que existe e existirá até não mais nos pertencer. Saberemos amar quando uma dor começar a se esquecer de si e olvidar da composição com que foi feito o estupor. Como são? Extinto o medo, resplandecerão sementes douradas, brotará mais de um sol para cada adorada manhã. A qualquer hora, saberemos. Saboreemos instantes.

20 de maio de 2014

TÔNICA

Tomou um gole de nós: 
Enforcou palavra. 
Continha pedra de gelo 
E derreteu por vez jogada. 
Desaguou sem voz, 
A mágoa, morta de sede.
Embebedou-se num quarto
Sem paredes.
Partidas...
Deu voltas, voltas e voltas.

12 de abril de 2014

À BRASILEIRA

Coça o cu do macaco
Como o teu, como o meu
Quem comeu o nosso?
Descasca a banana em riba da mesa
Enraba chipanzé sem asa
Faz a chita do vestido voar
Mais brega que Carmem, Roberta Miranda 
Vamos todos cantar para a poeira da estrada
A carona era feia feito foice em quitanda do Norte
O dia por detrás do coqueiro verde foi-se já
Maduros a vida, o catarro, o presidente da Venezuela
E a vuvuzela, que não deu sorte no jogo, tupinicará
Foi fazer pique-nique no parque, arrastão passou
Tudo passa, até essa farsa evaporada em petróleo
Descontrole o povo brasileiro
Tire a cana, a novela, o amor de rapariga, o galo da briga
Cai a fossa, lambe a própria ferida
Tiro na testa é de graça e cicatriza

ORIENTE-SE

O sol nos põe nipônicos
Embora continuemos desorientados
A gueixa se queixa nem d'aurora
que amanhece no prato
Saboreia, boreal, pelas bordas quentes

31 de março de 2014

ESPIRAL

Hopi Hand by Venessa Lagrand

Falho, eu que sou homem, somam-se às rédeas de viver duas mãos calejadas. Os pomos de dentro das palmas servem para cultivo de força, segurar cascalho sem atirá-lo no lago imundo da boca de lobo. Floração da fossa. Tal gota de orvalho a dar viço, hidrato as ramagens mais secas com lodo, dou banho de bebê a ouriço, brinco de deixar perfume nas maçanetas em cada abrir de portas. Invisível à vizinhança. Ser capaz de atravessar as paredes das casas faz os pés descalçarem as botas, pisarem rastros de musgo em círculos. Biodança. Vejo vórtices por onde escoam os espíritos. Rio-me de tudo à volta, pois até choro de mau-agouro pode ser um bom presságio por agora. Acerca do que não consigo, sigo com acerto a quem parece amigo e isso é raro. Naufrágio. Aprendo a dar nós de marinheiro em crina de cavalo e valho muito à natureza do perigo. Como tudo neste mundo é frágil...

30 de março de 2014

SILENCIADA

Arte: Alex Kisilevich

A palavra perde sentido quando o sentimento nos revela. Amar é como fazer silêncio após um curto-circuito tagarela: do atrito dos fios desencapados, vem o fumacê incensório da calma. Desfaz-se a bomba de querela no bem-querer. Prestidigitação invisível? Se não houver perdão no gesto, que haja o vento à vela e apague os ânimos. Enquanto se pensar que a paz só adestra, o confronto persistirá na destruição. Em todo ser humano, o orgulho protesta, nefasta sua percepção de poder. Só se ganha ao se perder a noção do lucro. Fulcro é sustentáculo, o resto é alarido. Vencer é não ser visto. Já projetamos um final feliz no arco-íris com sua arca cheia de ouro. Pura ilusão de ótica. Esquecemos o processo, passado e presente, onde o sol em conluio com a chuva é que faz produzir colorido. Hão de nascer criaturas caladas, pois se aladas, eu me desminto ao reconhecer. Mistifico as massas cinzentas que mais parecem nuvens a fechar o tempo nesse disse-me-disse sem dizer. Confundir quem consente impunidade por não bradar o mesmo grito é falar às paredes. Brancas, tremulam às janelas uma esperança e uma vantagem que a indiferença maculou. Sorriso amarelo ao verde-vômito cheirando a desabafo. Raiva se transmutou em buzina, ponte em muro, poste em murro, morte em viver. O que sei eu de você? Conviva comigo e me perca, impermanente tal este amanhecer em pôr no horizonte mergulhado. Eu sou o NADA.

18 de março de 2014

FRIO

O mundo todo toma seu rumo na tempestade. 

Os pássaros se abrigam sobre as asas, os peixes alteiam às cheias marés em cardumes, os amantes se tornam mais amantes e os solitários mais relampejosos dentro de seus quartos. Cobrem os espelhos com lençóis antes usados, tantas vezes divididos com outros braços, bem passados à cabeça, pernas e pés lavados com cheiro de infância. Amaciante ou sabão em pó. E agora, eles teriam medo? Enfado.


Relâmpagos. Anoiteça o que anoitecer, o dia será sempre cinza e gélido e mouco e raro. Só, há quem se proteja dos sonhos em sua própria cama. Amorna. Afunda. Entende. Levanta! Tem lama lá fora para os meninos que saltam poças, as moças levantam a saia molhada feito crianças, agarrando a barra pelos joelhos, enquanto o grosso do tempo ainda escoa pelo ralo...

14 de março de 2014

PEGA PARA CRISTO

PAOLA BENEVIDES





















Meu peito asseado assoou pelo nariz:
- Era grande, Jesus!
Penifiquei calada
Sorrisinho de lado
Fui a Madalena perdida na Última Ceia do Leonardo.
Só ele sugou vinho da minha uva, juro por Deus...
Todos os outros beberam do colostro santificado.

Escarrei do pão à sopa
Assoprei para o filho ficar frio
Mas Ele sofreu o que o diabo amansou
Fazer o quê?
Rezei um terço ao pernil crucificado na mesa
Os apóstolos, no afresco, ficaram uma fera
Então, apostei que ganharia na contagem de contas

- Quem pagou a minha?
Perguntou um enviado
E judeu no que deu
Nenhum centavo.

28 de fevereiro de 2014

AO SABOR DAS PALAVRAS

Foto de Paola Benevides.
Dos sabores que me sabem a boca, aprecio os que me sangram os lábios, no acre-doce escorreito da saliva. Vários: os de frutas vermelhas. Um prazer em cada gomo estourado aos dentes feito borrado de batom. Empapuçada até as sementes, engulo grão e talo. A não ser quando em solo fértil, à cata de galhos de framboesa, a correr à relva de se ser menina, à revelia da selva, cuspo todo o chão. Que me arda! Haveria de lançar da língua muitos pés de uva, amora, cereja e jabuticaba, sem demora, a namorar o plantio até a colheita, em meditação, dos primeiros ramos aos rumos da flora. Papilas gustativas e pupilas que dilato de predileção.

19 de fevereiro de 2014

VENENO


Ser flor que se cheire ou que se despetale?
Não mero detalhe, eis a delicada questão.

Sensibilidade aflorada contra mal-me-queres
Paixão no talo:
Espinhos

Não se ganham na lótus
Mas nascem do mesmo lodo
Inodoro
Da inoculação

12 de fevereiro de 2014

EXILADO



Parvo mundo.
Antes fosse um pássaro bicar curto pavio e revoar para longe. 

Árduo lugar... 
Uma nau a flutuar sobre lava. 

Um navio cargueiro à linha do horizonte
A confundir explosão solar com detonação de paiol.

Quando a munição acabar, não haverá mais farol
Nem luz, nem medo
Só o degredo a caminhar sozinho.

11 de fevereiro de 2014

DEBAIXO DA TERRA

Um oco ficou:

(Soco seguro 
                   bem no osso sacro)

- Chute no saco daquele escroto!
- Olho roxo naquela vagabunda!

Lixo até chorumou
Ficou uma funda...

Húmus desumano.


4 de fevereiro de 2014

MÁRTIRES DE VÊNUS


Somos frágeis fragmentos
A cortar nossas próprias cicatrizes
A contar histórias, nós mulheres
Atrizes de pernas arqueadas
A desfilar suas feridas felizes

Elas dão vida a carnes sangrentas
Bocas chamejantes que beijam a sorte
Meninas famintas da África em manadas
Sendo loiras, azuis, ruivas ou morenas

Unhas compridas desenham nas costas
Um suporte de penas para suas asas

1 de fevereiro de 2014

PENSA, MORDE E LADRA


Cérbero e seus cérebros: 
- Cuidado com o cão! 
Não lhe deixa sair do inferno, 
Este guardião maquiavélico, 
Quando a cólera se torna coleira da ação.


28 de janeiro de 2014

AGOURO DE AGORA

Leni Smoragdova

Não há o quê, 
nem o quando. 
Há um ser nos observando,
ao mesmo tempo nus e mascarados. 
Somos enteados do tempo, 
órfãos do passado, 
futurando.

11 de janeiro de 2014

ARMADILHA


Não mais se tem estômago, por tanto ácido fático. 
A língua é ferina, fere os ouvidos e tem garras. 
Deixa o osso cardíaco em fratura exposta.
Os animais estão à solta dessas amarras.
Amam o nada do que há em si, presos à dor.
Outros são outros quinhentos, cédulas numeradas.
Quem tem cor tem medo.
Até branco se avermelha.
Amarela putrefata a orelha de Van Gogh.
A esperança desbotou o verde da paisagem.
Pinta-se o retrato falado da verdade.
Distorção virou poesia, afasia isenção.
Viraram a casaca dos valores.
Sociedade de uma hipocrisia insaciável.
Teme o porvir, pôr de sol a atear fogo no mar.
Nossas cavernas estão cheias de sombra ainda.
Dependurados em suas próprias tripas, os covardes.
Mortos por asfixia. Quem tem ar em meio tóxico?
A buzina do monóxido não serviu para acordar.

4 de janeiro de 2014

LEVE



















Leveza, lave-me da janta à sobremesa, 
da correnteza à praia mansa, 
da colcheia à semibreve. 
Leve-me ao que o ar já não alcança: 
ao silêncio.