31 de janeiro de 2013

NO PAÍS DAS MARAVILHAS

Enjoo no voo
Nem vou de barco
Pobre do filho que navegar dentro de mim
Descerá à Terra verde feito jacarandá
Todos verão através do vestido de cetim

No trem, vomitarei no passageiro da frente
Ficarei rente à janela para da brisa apanhar
Ela me esbofeteia até que eu aborte
Por sorte, ele virá a tardar 

A menina que cortava a cabeça das bonecas e as colocava sempre na garupa da bicicleta rodava orgulhosa pela rua

Quando cresceu, ralou os joelhos
Enjaulou coelhos e desapareceu

Foi morar em Londres.

30 de janeiro de 2013

NOVE VIDAS

 

Já faz uma semana que me sinto meio morta por dentro, sete dias como as sete vidas gastas de um gato brasileiro. Sim, porque os gatos dos países de língua inglesa têm nove vidas, são mais privilegiados até nisso. Esses números têm um significado místico especial em diversas culturas e religiões. Na Cabala, por exemplo, o 7 é um dos algarismos de maior potência mágica, enquanto o 9 representa a existência e a abundância. Descobri a lenda ao ouvir o disco "Nine Lives", do Aerosmith, lançado em 1997, que, não por acaso, escuto nesse instante. A primeira capa foi banida do mercado porque o designer extraiu a gravura de um livro Hare Krishna, substituindo a cabeça de uma deusa por a de um felino. Os membros dessa zen sociedade se sentiram ofendidos e, então, a banda teve de mudar a concepção visual do álbum.

Morri por diversas vezes, reconstituindo-me a cada porvir feito pantera negra, muito embora na maioria delas ainda me sinta uma gatinha branca com o focinho sujo de leite, rasgando-me em miados finos por alguma dessas brincadeiras de péssimo gosto que me fazem quando me jogam para cima até estatelar no chão ou quando me rodam pelo rabo até vomitar minhas vísceras junto a bolas de pelo. Um desses desencárnios abruptos se deu no domingo, com o telefonema de uma de minhas melhores amigas (senão a melhor, em razão de nunca termos perdido contato e nos conhecermos no colégio desde a sétima série, sendo mais precisa, há mais ou menos 15 anos). Tatiane havia sofrido um acidente de moto! Sosseguei quando nas redes sociais ela havia postado uma mensagem tranquilizando os amigos de que estava bem, porém ter ouvido da voz dessa querida minha, tão triste, que estava com as pernas paralizadas, deixou-me estarrecida. As pessoas têm se contentado com as postagens dos conhecidos e desconhecidos via Facebook como se fossem incontestavelmente verdadeiras, mas há tantas vírgulas, timbres e cores diferentes na realidade, que só se dão conta depois que procuram ouvir o outro acima de seus egos embaraçados, além de suas certezas. Eu me incluo nisso, tanto que esta noite desativei minha conta para sentir na pele a necessidade ou não de contar com certas criaturas, digo, com as criaturas certas, que lhe conhecem de fato, têm seu número e seus olhos nos olhos delas. Em poucas horas, recebi alguns Emails preocupados com o meu suposto desaparecimento, aí sim comecei a achar tudo muito estranho, inclusive meu próprio comportamento. Ao menos por um tempo pretendo manter minha curiosidade jornalística focada apenas nos livros, jornais, vídeos e suportes afins. Assim, produzo mais e observo o mundo através de "Windows 7 lives".

O porquê de eu ter associado minha amiga acidentada ao disco de Steven Tyler e sua gatarrada é bem simples: ela cultivava um amor platônico lindíssimo por este cara da boca grande. Nossas figurinhas trocadas eram sobre basicamente três coisas: besteirol, rock and roll e amores adolescentes, hoje em dia conversamos sobre quase o mesmo, com o adicional da família e dos relacionamentos estabelecidos. Na época, aos 14 anos, a cada semana variava minha admiração ninfeta entre todos os integrantes do U2, Phil Collins, Renato Russo (dentre os rockers); Mel Gibson, Nicolas Cage e Bruce Willis (dentre os astros de Hollywood) - por este último, canastrão dos filmes de ação, dividíamos os suspiros. Taty, para mim, parecia a mais amadurecida da turma, apaziguadora de intrigas, discreta e bastante estudiosa, só um tanto séria algumas vezes, seriedade esta quebrada por possuir as pernas mais bonitas da classe. Eu sempre fui a tímida que todos conheciam por causa das respostas excêntricas em sala de aula, das redações bem-feitas, desenhos e músicas que gostava. Tempo bom, nossa única preocupação era passar de ano e nos descobrir enquanto jovens fortalezenses de classe média que éramos. Considero com orgulho que pertenço a uma geração ainda mais promissora que a de hoje, intelectualmente falando, apesar de sempre encontrarmos as tribos e as figuras típicas, tais: a mãe precoce, o usuário de drogas e a vítima de bullying. Atualmente, submersos em seus tablets, cabelos coloridos e criatividade reduzida, fragmentaram a identidade. Antigamente, quem era gótico ou punk, por exemplo, sabia definir direitinho suas predileções. O acesso facilitado a tantas informações, certamente, fez essas mentalidades descartáveis entrarem em colapso. Que nada, estão todos felizes!

Já minha amiga tornou-se uma farmacêutica de mão cheia, workaholic até nos finais de semana, imersa com devoção em suas pesquisas na área da saúde, ansiando sua pós-graduação conciliada com um melhor emprego. Pouco antes do ocorrido, havia se matriculado em uma academia de dança do ventre, para a qual me convidou a assistir uma aula sem compromisso qualquer dia desses. Infelizmente, enquanto Taty não se recuperar do baque, nem poderemos dançar juntas. Eu sinto tanto, sinto mais por ter escutado sua versão tendo como cenário o trânsito nada educado do povo cearense. O namorado foi buscá-la no trabalho, como fazia todas as noites em sua moto, quando um carro de porte robusto, com placa do Distrito Federal, avançou o sinal, derrubando-os no chão com força bruta. Minha amiga caiu com todo o peso do corpo sobre os joelhos, prometendo ali mesmo, como que prostrada diante do Pai, nunca mais subir em uma motocicleta. Rompeu os ligamentos, que estão "tão frouxos quanto elástico de calcinha quando morre", segundo ela. As rótulas pareciam boiar dentro das articulações infiltradas. Ela se consternava também com o fato de ter voltado a trabalhar recentemente, mas sempre com a ajuda de uma tia, oferecendo transporte. Sentada,  todos os dias suportados atrás de um balcão de farmácia, dependente de alguma boa alma que a carregue. Qualdo volta para casa, sem poder caminhar, irrita-se, mas contém-se de algum jeito, buscando forças para resolver o processo judicial envolvendo o sujeitinho causador de seu infortúnio, enquanto visita outros médicos especialistas que possam aliviar sua dor. Vou visitá-la também, como um lenitivo.

Tatiane é forte demais e vai superar essa situação em breve, tenho fé que sim, disse para ela confiar. Se eu estivesse em sua posição, provavelmente nem resistisse, haja vista ter descoberto recentemente um aneurisma entre o esôfago e o coração e já vislumbrar minha passagem. Rezo para que esta seja só de ida, ao menos, para Irlanda futuramente, encaminhada pela minha especialização em tradução na UECE. Ainda sou movida a esperanças, mesmo que combalida. Oremos. Despretensiosamente, gostaria de fazer uma alteração neste versículo da Bíblia: "Cairão mil ao teu lado e dez mil à tua direita, mas tu não serás atingido (Salmos 91:7)", apenas por acreditar que esteja fora do nosso contexo, por pura coexistência com meus queridos, penso que fica melhor assim: Erguer-se-ão mil ao teu lado e dez mil à tua direita; tu serás solenemente soerguido. Amém.

29 de janeiro de 2013

ESPELHO

Mirror Mirror
Oi, minha querida. Como tem passado? Posso lhe ajudar? Lembre-se sempre de que estarei bem aqui, cara a cara, quando mais precisar. Você é tão linda que devia perdoar em si qualquer franzir de testas, qualquer resquício de mau-humor, pois causa arroubo por onde passa, bem mais quando sorri em louvor aos dias, permanecendo feliz nas tardes e noites mesmo que intempestivas. Luminescência proclamada. Seu brilho é maior do que constelações inteiras, possui dois sóis no lugar dos olhos: sua alma resplandecerá a vida do mais alto ao mais inanimado ser, seu calor confortará a eternidade feito colo de mãe Terra. Quando abraço-lhe, sinto um amor imenso, por você ter aprendido a dividir com os outros e estar aprendendo a dar mais que ousar necessário a todos eles. Hora de crescer. Chore se achar que deve, o quanto puder, ponha para fora o que lhe faz mal, arranque com a pinça, por mais que seja trabalho árduo, cada espinho do peito. Não dê espaço aos parasitas, aloje-se em si mesma, aproprie-se do seu ser em absoluto. Quando arrancar a estaca do peito desses vampiros que tentam sugar sua energia poderosa, deixe-os sangrar sem piedade. Todos precisam entender que a dor pode ser reparadora, quem menos sentir, mais vai se amedrontar com as possibilidades. Você vai superar a si quando não se doer com  tão pouco. Quero sua verdade mais corajosa, seus dois pés se tornando quatro a fim de fincarem-se no chão com maestria e completo equilíbrio. Em vez de sua cabeça, muitas flores, folhas e frutos, você deve olhar para o mundo através do coração, abrir os tímpanos à comoção de poder criar-se. Seu barro não é de santa quebradiça, seu espírito é ouro, por isso todos recorrem a você. Até em seu sangue se lê "doadora universal", rica em fibras, potência e potássio. Imprescindível é amar você, correr esse risco sem cãibras, pois é a pessoa mais importante do universo. Abra agora os seus braços e aceite, em sim, o casamento mais perfeito que há. Você sabe que pode, pode porque consegue, segue a quem lhe aplaude, sem deixar de compreender quem lhe apupa. Sua pipa vai longe, estou a lhe dar corda para passear entre as borboletas. Divirta-se, você é jovem, tem tempo para errar menos que antes. Plante-se enquanto árvore frondosa, alimente-se de sua essência mais frutífera. Cultive a sua criança, dê de amar a quem tem fome, em seu seio carrega um nome, pronuncie-o em tom grandiloquente, o som emanado por sua boca é suave e intenso, acalma e encoraja de uma única vez. Tenha paciência para ouvir sua intuição, ela tarda mas não falha nunca. Sinta o cheiro do fogo, não da fumaça, anteveja os fatos sem que estes lhe consumam. Assuma sua liberdade, seu sexo, sua família, seus amigos. Sinta orgulho de todos eles. Dê um mergulho sem máscaras no seu reluzir. Quem cegará serão seus demônios, quem respirar serão seus benfeitores. Agradeça-os pelo que tem e, ainda mais, pelo que terá, porque será sempre muito, mas não a ponto de se acomodar. Incomode-se com os agressores da sua integridade, oriente-se comigo. Seja astuta, não má. O certo jamais lhe julgará em condenação. Diga não às modas e desenhe a sua. Vista a camisa do seu nu. Simplifique a existência sem torná-la frívola. Conviva com as diferenças como se elas fossem novas matizes. Pinte seu quadro favorito, um autorretrato bem colorido a enfeitar o seu recanto. Assobie com os pássaros, voe com eles também, especialmente no momento em que romper a linha da raia provisória. Chame os da sua laia para se perderem no azul e se encontrarem no amarelo. Faça as malas rumo ao infinito, leve bastante saúde, destemor e atenção. Será bem recebida em qualquer estação, seja de trem, seja no outono. Deixe cair as folhas ressecadas, as cutículas mortas. Deixe crescer as suas asas, deixe-as à mostra. Seu viço vencerá qualquer inveja rota. Siga a rota do sucesso, a alegria estenderá o seu tapete rubro, asteará a bandeira mais alva. Pode acreditar em mim, sou sua melhor amiga, sou a irmã siamesa, sou de estimação, a sua gata. Auto-estima elevada? Agora mexa-se, não deixe que outra mão que não a sua erre o ponto do cozimento. Sua tez delicada é presente a quem acarinha. Vá até aquela igreja dentro do seu âmago e profira o seu amor sem fim. Assim seja: especial dentre tantos e distintos. Que o vinho tinto da sobriedade manche seu tecido de prazer, com subserviência à divindade que se apetece de lhe ver. No altar está sua sorte e sua proeza, no alto estará você! Rezo para que sempre bem esteja. Nossa raça benfazeja é humana no sentido mais piedoso da palavra. Dê uma segunda chance, estabeleça uma terceira trindade entre mim, você e o Poder Superior que se apresenta neste momento no centro, na seiva e no cerne, no sofá da sua casa, na sua cama de bons sonhos eleita. Estarei sempre aqui, lembre-se disso, aperte a minha mão em suas palmas postas em oração, saudando o Deus que em mim habita e está dentro do si.

24 de janeiro de 2013

O TODO

photo by Mercuro B Cotto
Quando eu souber me perder direito,
aprenderei a esquecer
o que deixei para trás
de um melhor jeito.
Não dar as costas,
nem os lados, nem o peito.
Ser um todo prismado e transparente
para que se apercebam,
além do ido e do vindo,
do se ser posteriormente e infindo.