Eu queria que meu amor sobrasse para fustigar o mundo inteiro, para doar-me na medida que todos necessitassem. Queria um tanto de maternidade embutida, multiplicar os seios, a fim de acalentar e nutrir todos os meus rebentos por adoção não judicial. Queria ver proporções imensuráveis do meu carinho escorrer dos poros para dar de beber aos corações mais empedrados. Queria jorrar sorrisos na imensidão reprimida de tantas bocas, fazê-las cantar silenciosamente a audição do inexprimível. Queria expelir perfumes aos imundos, inebriar seus corpos com um elixir de ervas aromáticas, ser a panaceia das suas chagas, a cura de suas dores, dar longa vida a quem entornar todos os gargalos. Queria lavar com plena doçura na saliva a alma dos amargos, extrair as suas mágoas como quem arranca ervas-daninhas, aguar as sementes de renovação com toda calma, realizar a fotossíntese em respiração profunda, oxigenar os cérebros criadores na intenção de prosperarem nas próximas colheitas. Eu queria estender os braços aos desabrigados, ser casa com teto, janelas e portas escancaradas, sem precisarem me tomar de assalto. Queria ser o teletransporte dos que sentem saudade, a máquina do tempo para reavaliar algumas falhas ou mesmo ser a futuróloga que preverá o avesso de uma catástrofe global. Eu queria ser o olho que tudo vê para piscar no meio da cegueira, projetar nas paredes do estômago iluminação interior. Eu queria não ser o final feliz daquele casal, mas a felicidade infinita de todos com o seu todo indivisível. Eu queria não querer no pretérito imperfeito do indicativo, entretanto minha humanidade indica que tudo permite o pensamento ativo e desejar profundo é possível no plano imaterial. Aqui as verdades estão nuas. Portanto, eu quero sentir minha arte entranhar na alvura dos que propagam o bem, colorindo em toques sinestésicos a amplitude de se ser e de se sim no universo. Sejamamos a todos, enriquecendo-nos com as diferenças dos nossos iguais semelhantes.
Texto: Paola Benevides
Foto/efeitos: David Duarte