Aquela menina pouco tátil aprendeu a acarinhar com os silêncios, a articular-se melhor através de seus sorrisos e olhares múltiplos, por vezes mais melancólicos que irritadiços ou hormonalmente tensos, mas muitos. Eram vários mesmo. Percebia a sua peculiar feminilidade agredida quando ouvia queixas de namorado nas situações em que deixava de pronunciar seus nomes próprios, especialmente, em momentos nos quais ela se abstinha de usar os pronomes de tratamento mais adequados à maioria dos casais. "Meu bem" para cá, "amorzinho" para lá soavam distantes demais à sua ideia de intimidade com o outro. Para ela, uma alcunha curta ou um grunhidinho nas horas de afeto demonstrado já poderiam denunciar, quase que onomatopaicamente, o real sentimento, ao menos, o mais genuíno deles: o amor.
Compreendia o quanto era importante para a sociedade verbalizar os seus intentos vigentes, escancarar as suas sensações, porém, à ela pertencia um grande receio: o de vulgarizar certas virtudes, já tão desgastadas pelo uso. É como se as pessoas amassem a tudo e a todos da mesma maneira, sem atentar para as mais variadas nuanças de sentir, em suas rotinas moldadas pelos jargões de novela, pelos ditos impensados, pelos modismos atrelados às suas existências inconscientemente. Aquela moça, então rotulada de "autista" - em diagnóstico por comparação à mãe do vizinho, que leu na internet -, preferiu-se assim e riu-se (nem tão enigmática) da noção de saúde desses normais de mente ou dos dementes reais.
Aos que cobravam de seu comportamento maior alento social, agradecia, pois lhe era dádiva ser apontada em melhoria, por sua humana condição e evolução espiritual. Entretanto, aos que zombavam de sua companhia, por não estar disposta a suprir carências ou a atender às expectativas alheias da mal dita perfeição, dedicava maior desprezo ou, fazendo uso de uma linguagem mais técnica, oferecia prazerosamente todo o seu déficit de atenção.
4 comentários:
Excelente post.
O texto é profundo pq a pergunta que gera o post tb é.
O que é ser normal?
Isso é muito difícil de responder pq é tb difícil de definir.
Há uma necessidade (por parte de muitos) de rotular as pessoas e isso geralmente parte daquelas pessoas que não aceitam o diferente, que só entendem o padronizado.
De vez em quando me rotulam de antissocial devido a minha dificuldade de lidar com gente (na vdd acho q eles querem me chamar de psicopata mesmo). Realmente tenho uma certa dificuldade de lidar com gente que se acha, que faz tipo, gente que não é verdadeira. O interessante que os antissociais são muito admirados na ficção (House, Dexter, Sheldon).
Obrigada por compartilhar tua percepção comigo, a identificação é tamanha. Sinto-me aliviada por jorrar isso e por ser detectada por outras tamanhas sensibilidades. Haja sociopatia, então! Beijos. =)
Algumas pessoas fazem tipo para serem aceitas, normalmente cobram dos companheiros que também façam parte do espetáculo.
Ai as demonstrações discretas e particulares não bastam precisam ser espetaculares.E prática leva a perfeição em detrimento da espontaneidade.
Pode não ser o caso, mas foi o que o texto me lembrou. E como eu sou mais um que tem distúrbio social global essas padronizações também me deprimem.
Mas como já estive do outro lado posso dizer que nem todo mundo é igual(ou normal), tem autistas e Autistas, tem aquelas pessoas que nada demostram e as que demonstram a sua maneira, que pode ser indetectável aos menos atentos e que é insatisfatória a quem vê , mas quer que os outros vejam também.
Enfim, normal, adequado, não devia se usar para a segunda ou terceira pessoa. Normal é o que você acha que é normal.
Terceirizei-me, digamos, porque minha indiscrição é mais sincera. Farad tocou na ferida que eu queria, há quem não se satisfaça com o pouco que a outros se faz tamanho. Querem suprir o vazio particular culpando o próximo, quase sempre estranhando o que se faz comedido. Extendeu e entendeu bem a ideia, maravilha! Abraços. =D
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