O calor do meu quarto sou eu. Feito um útero novo, sem feto, com algum afeto que rola solto na cama de solteira. Estou na poeira espirrenta dos livros, nos tantos empilhados discos estão as digitais a marcar memoráveis épocas. Um universo em gavetas e armários desarrumados. Ainda brinquedos, ainda bonecas, ainda álbuns de figurinha. A janela constantemente fechada, pela incidência quase dolorosa do sol em todas as coisas sensíveis. Quando aberta, a barulheira da avenida se ouve: automóveis. Sou meu quinto andar, não tão alta, nem tão térrea. Ando com pressa, mas às vezes o elevador está emperrado. Meu pé em terra, na rua, vou, sigo, na certeza de retornar. Recinto. Sinto-me dentro. Pouco ressentimento há. Recolho-me na paz insone das madrugadas a portas fechadas. Meus pensamentos vários feito peças de roupa colorida num varal infinito.
12 de dezembro de 2009
8 de dezembro de 2009
Ser Diferente
"A única salvação do que é diferente é ser diferente até o fim, com todo o valor, todo o vigor e toda a rija impassibilidade; tomar as atitudes que ninguém toma e usar os meios de que ninguém usa; não ceder a pressões, nem aos afagos, nem às ternuras, nem aos rancores; ser ele; não quebrar as leis eternas, as não-escritas, ante a lei passageira ou os caprichos do momento; no fim de todas as batalhas — batalhas para os outros, não para ele, que as percebe — há-de provocar o respeito e dominar as lembranças; teve a coragem de ser cão entre as ovelhas; nunca baliu; e elas um dia hão-de reconhecer que foi ele o mais forte e as soube em qualquer tempo defender dos ataques dos lobos."
AGOSTINHO DA SILVA, in Diário de Alcestes
AGOSTINHO DA SILVA, in Diário de Alcestes
3 de dezembro de 2009
Florata
Eu me floresci na água pedra. Levando gotada nas astes de planta. O sal fermentou só na réstia de sol do muro da casa. Minha casa aberta. Quem ouviu passos, gemeu de tanto soluçar. Era lágrima rondando sem poder entrar. Rosa murchou quando fui colocada em vaso de vidro. Areia funda, poço raso, espinho fino. Rasgo-pétala. Enluarei pela varanda, o varal de sereno impregnado, quando maré bateu no teu molhar. Não mais perfumarei os céus com enfermidades eternas. Nem sou estrela, sou poda, pó dela.
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