Com o aguçamento da percepção ao
longo de nossa existência, ao experimentarmos em vivências ou mesmo em estudos
sobre o comportamento humano, deixamos cair por terra todo um compêndio de
ditos populares sacralizados pelo uso feito vaso ruim: difícil de quebrar pela unanimidade,
que prefere crer nos conselhos seculares da carochinha sem ver necessidade em
provar por si mesma esta queda, indo um pouco além da voz desse povo
que está longe de ser interlocutor do próprio Deus que o habita. Ora, mas que
crianças mimadas não seríamos se deixássemos de levar o dedo à tomada! É prudente
que se diga ao menino não subir ao banco pela possibilidade da dor, porém
antecipar o medo poderá impedi-lo de crescer através de seu sofrimento pessoal.
Pior, ele poderá implantar traumas capazes de estourar durante a fase de
crescimento, não maturando mais o que precisaria defrontar. Pequenos, somos
gesso, maleáveis para o encaixe perfeito no molde das imposições sociais. Decerto,
há provérbios incontestes tais o da água mole em pedra dura, que tanto bate
até que fura. Mas e se o vento levar o pedregulho a outro lugar, haverá maré
que o engula?
Ao assistir a uma palestra sobre
meditação para dissolução de conflitos, o ministrante nos fez a brilhante
constatação: crescemos ouvindo nesse boca a boca de pai para filho que Ego e
Karma atuam em nós como sintomas ruins. Costuma-se enfatizar a negatividade de
um Ego inflado, sem elevar este mesmo balão ao status da bola cheia que nos
leva a tomar atitudes corajosas. O Ego, segundo a
psicanálise, é a estrutura da mente que reúne nosso senso de identidade,
realidade e personalidade, ou seja, ideias e afetos em torno de complexos que, dentro
da teoria junguiana, não são necessariamente maléficos. São as estruturas
básicas da psique e o Ego é o complexo central da consciência, onde se encontra
tudo o que sabemos sobre nós mesmos. Como, então, podemos ser nossos próprios
inimigos? Perdendo a sintonia entre como nos vemos e reconhecemos a realidade,
algo muito fácil de acontecer, por tantos desequilíbrios dentro desse pacote de
relatividades do que posso significar a mim e ao outro. Nossa criança ferida
chora quando contrariada, tal um castelinho construído à frouxa areia desmorona
pelo chute invejoso do coleguinha na praia. Dói pelo receio de perder a
identidade ou pela preguiça de reconstituir-se através do erro. Humildade é
desconstrução, não humilhação ou subserviência. O inverso dessa rejeição a
mudanças chama-se flexibilidade. Exercitemo-la. Quanto ao que se entende
vulgarmente por entraves kármicos, ao afirmarmos que fulano ou determinada
situação é o nosso karma (chamarei aqui de encosto quântico), na verdade, estamos deixando de assumir a
responsabilidade por nossas más condutas particulares ao apontar o dedo para
o exterior, justificando agravos por meio de vitimizações ou infernos astrais. Para
cada ação há uma reação. Como ter a ousadia de querer colher já doce o fruto cujas
sementes amargamos num descuidado plantio? Paciência: estado de paz e sabedoria
ao qual devemos sempre recorrer, sem culpas pelos deslizes passados, com foco
no presente desvelador de atos mais salutares, sem lutar tanto consigo e com os
outros, apenas aceitando que nada está sob nosso controle, ao mesmo tempo em
que se faz indispensável o domínio da mente, racionais que somos. Deveríamos ser.
Fala-se muito também que, ao nos
distanciarmos de um objeto causador de crises, estaremos aptos a enxergá-lo por
um novo prisma. Cientificamente, ao incidir, a luz é capaz de ali refratar-se. Agora,
consegui vislumbrar uma metáfora dentro da lógica, ou melhor, da ótica. Pura física!
A todo instante, mesmo que a matéria nos limite a alcançar apenas o tangível,
somos flagrados em essência, dispersando cores que nossos olhos ainda são inábeis
de mirar. Além do mais, somos tão conexos quando convexos e côncavos em
espírito. De nada adianta impedir o fluxo, cortar laços, se continuamos interligados.
Até o ser mais individualista hoje em dia deve estar se deparando com as leis
de causa e efeito, quando seus feitos mundanos prejudicam o meio em que vive e
sobrevivem todos. Essa distância deve ser mantida como medida de sensatez, tal a
descrita nas traseiras dos automóveis, a fim de evitar colisões. A conexão está
justamente no respeito a esses limites. Seremos ilimitados no dia em que o
coletivo souber a hora de fazer a coleta seletiva de seus lixos e encontrar na
poeira cósmica sua partícula divina.