19 de julho de 2014

EGOLOGIA: por uma Ecologia do Ego

Com o aguçamento da percepção ao longo de nossa existência, ao experimentarmos em vivências ou mesmo em estudos sobre o comportamento humano, deixamos cair por terra todo um compêndio de ditos populares sacralizados pelo uso feito vaso ruim: difícil de quebrar pela unanimidade, que prefere crer nos conselhos seculares da carochinha sem ver necessidade em provar por si mesma esta queda, indo um pouco além da voz desse povo que está longe de ser interlocutor do próprio Deus que o habita. Ora, mas que crianças mimadas não seríamos se deixássemos de levar o dedo à tomada! É prudente que se diga ao menino não subir ao banco pela possibilidade da dor, porém antecipar o medo poderá impedi-lo de crescer através de seu sofrimento pessoal. Pior, ele poderá implantar traumas capazes de estourar durante a fase de crescimento, não maturando mais o que precisaria defrontar. Pequenos, somos gesso, maleáveis para o encaixe perfeito no molde das imposições sociais. Decerto, há provérbios incontestes tais o da água mole em pedra dura, que tanto bate até que fura. Mas e se o vento levar o pedregulho a outro lugar, haverá maré que o engula?

Ao assistir a uma palestra sobre meditação para dissolução de conflitos, o ministrante nos fez a brilhante constatação: crescemos ouvindo nesse boca a boca de pai para filho que Ego e Karma atuam em nós como sintomas ruins. Costuma-se enfatizar a negatividade de um Ego inflado, sem elevar este mesmo balão ao status da bola cheia que nos leva a tomar atitudes corajosas. O Ego, segundo a psicanálise, é a estrutura da mente que reúne nosso senso de identidade, realidade e personalidade, ou seja, ideias e afetos em torno de complexos que, dentro da teoria junguiana, não são necessariamente maléficos. São as estruturas básicas da psique e o Ego é o complexo central da consciência, onde se encontra tudo o que sabemos sobre nós mesmos. Como, então, podemos ser nossos próprios inimigos? Perdendo a sintonia entre como nos vemos e reconhecemos a realidade, algo muito fácil de acontecer, por tantos desequilíbrios dentro desse pacote de relatividades do que posso significar a mim e ao outro. Nossa criança ferida chora quando contrariada, tal um castelinho construído à frouxa areia desmorona pelo chute invejoso do coleguinha na praia. Dói pelo receio de perder a identidade ou pela preguiça de reconstituir-se através do erro. Humildade é desconstrução, não humilhação ou subserviência. O inverso dessa rejeição a mudanças chama-se flexibilidade. Exercitemo-la. Quanto ao que se entende vulgarmente por entraves kármicos, ao afirmarmos que fulano ou determinada situação é o nosso karma (chamarei aqui de encosto quântico), na verdade, estamos deixando de assumir a responsabilidade por nossas más condutas particulares ao apontar o dedo para o exterior, justificando agravos por meio de vitimizações ou infernos astrais. Para cada ação há uma reação. Como ter a ousadia de querer colher já doce o fruto cujas sementes amargamos num descuidado plantio? Paciência: estado de paz e sabedoria ao qual devemos sempre recorrer, sem culpas pelos deslizes passados, com foco no presente desvelador de atos mais salutares, sem lutar tanto consigo e com os outros, apenas aceitando que nada está sob nosso controle, ao mesmo tempo em que se faz indispensável o domínio da mente, racionais que somos. Deveríamos ser.


Fala-se muito também que, ao nos distanciarmos de um objeto causador de crises, estaremos aptos a enxergá-lo por um novo prisma. Cientificamente, ao incidir, a luz é capaz de ali refratar-se. Agora, consegui vislumbrar uma metáfora dentro da lógica, ou melhor, da ótica. Pura física! A todo instante, mesmo que a matéria nos limite a alcançar apenas o tangível, somos flagrados em essência, dispersando cores que nossos olhos ainda são inábeis de mirar. Além do mais, somos tão conexos quando convexos e côncavos em espírito. De nada adianta impedir o fluxo, cortar laços, se continuamos interligados. Até o ser mais individualista hoje em dia deve estar se deparando com as leis de causa e efeito, quando seus feitos mundanos prejudicam o meio em que vive e sobrevivem todos. Essa distância deve ser mantida como medida de sensatez, tal a descrita nas traseiras dos automóveis, a fim de evitar colisões. A conexão está justamente no respeito a esses limites. Seremos ilimitados no dia em que o coletivo souber a hora de fazer a coleta seletiva de seus lixos e encontrar na poeira cósmica sua partícula divina.

10 de julho de 2014

MANTRA INICIAL

Eis que completo meu primeiro ano como yogini. Eu que buscava alinhar corpo, mente e espírito em uma única prática, iniciei uma feliz jornada para dentro de mim. O exterior reflete. Quando as pessoas pedem definições para Yoga, a resposta recai no sorriso, já que se trata de uma experiência muito particular, vasta em possibilidades positivas. Ao perceberem minha satisfação, logo despertam o interesse, então tento traduzir do sânscrito o que temos por "união". Costumo associar este termo ao significado etimológico de religião, do latim religare, o qual nos pode transmitir uma ideia universal de coexistência. Do contrário e afortunadamente, não há qualquer ligação com este conceito ocidentalizado, mas se trata de uma conexão muito maior à consciência: seja corporal, através dos asanas (posturas), seja energética, na conjunção harmoniosa entre tudo que é vivo. Com isso, sou capaz de exercitar não só meu físico, expurgando toxinas através do suor, pondo em circulação sangue e prana (energia vital), ao desbravar cada poro com toda paciência e autocuidado. Minha espiritualidade, em sincronia absoluta, também favoravelmente se manifesta. A saudação Namastê nos ensina bem a reconhecer no próximo uma divindade, assim como nos assumimos deuses de igual maneira. É uma atividade para além da flexibilidade nas articulações, pois requer que aprendamos a articular os pensamentos de forma equilibrada, a domar nossos instintos, ao calarmos em meditação. É preciso estar atento a todas as coisas, concentrado em cada pormenor que a sensibilidade humana possa captar. 

No começo, o esforço parece enorme. No decorrer, a entrega é compensadora. Disciplina e constância na execução dos movimentos, especialmente na contemplação interior, são imprescindíveis a quem deseja aprofundamento. Pessoalmente, nunca me dispus a realizar atividades físicas costumeiras pela sensação de perda de tempo, por não vislumbrar nenhum propósito em treinos repetitivos sem haver o menor estímulo intelectual. Como bem me recomendaram, a Yoga é um verdadeiro plano de saúde, por sua completude. Fiz a escolha certa, portanto, ainda mais pelo fato de me familiarizar a cada dia com partes pouco tocadas em meu corpo, por desafiar a gravidade através do domínio da mente e entoar mantras belíssimos, capazes de aflorar os sentimentos mais salutares. Tudo me soa artístico, leve, libertário... As histórias que envolvem os yogis de todos os tempos são extremamente ricas, tanto dos mestres milenares como dos meus contemporâneos. Fui devidamente apresentada à Hatha Yoga por um casal de amigos vindos da Índia. Durante o ano transformador que lá passavam, vivenciava aqui as minhas mudanças. Quando regressaram ao Brasil, matriculei-me de imediato na clínica em que iniciariam seus trabalhos, um pouco distante da minha casa, motivo pelo qual me instigou a associar bicicleta ao novo ritmo de vida. Uma benesse puxou a outra e assim tenho seguido, obstinada. A alimentação tem mudado, as bebidas alcoólicas perderam relevância, a postura se endireitou, os músculos se desenvolvem, os chacras se ativam e me sinto continuamente integrada à natureza, com a meta de evoluir sempre. Atualmente, a Lei da Atração trouxe as aulas de Yoga para um lindo espaço holístico próximo a mim, onde posso me envolver noutras atividades de expansão, como Reiki e Biodança, na companhia amorosa de espíritos construtores. 

Gratidão a todos os envolvidos nesse processo. Todos sabem no íntimo quem deveras são, porque importam. O caminho é longo, porém, ao lado dos que me incentivam, não há pressa ou cansaço, só Paz e Alegria a cada descoberta. Envolta por seres de Luz, desvelo pouco a pouco a largueza do verdadeiro eu. Minha flor de lótus desabrocha em feminilidade, com suas raízes firmes e seu caule frondoso, passo a passo, nessa dança de Shiva que destrói antigas vestes para criar universos mais vívidos. Om Shanti!

SÂNSCRITO

ASATO MA SAT GAMAYA
TAMASO MA JYOTIR GAMAYA
MRITYOR MA AMRITAM GAMAYA

TRADUÇÃO

Conduza-me da mentira para a verdade
da escuridão para a luz
da morte para a imortalidade.

3 de julho de 2014

PONTEIROS

Tomou-me de assalto o tempo como se fosse um larápio. Rápido, ele. Meu corpo estremeceu por abalo sísmico do próprio eixo. Queixo caído em si. Revi fotos antigas, pessoas amigas que deixaram de ser e outras que ainda caras me são, sem nada a dever, só por gostar de sorrir em conjunto. Ganhei em muito. Nada arrependido. Claro que se eu fosse hoje transplantada ao passado, perplexiariam diante da evolução. Então, agora, eu seria mais em melhor captação. Mas para que soar em 3D para os outros, se a visão nunca reflete exata os sulcos da verdade, as linhas de expressão. Que ilusão todos desejariam por à mostra? 


Valeu cada paisagem, foi divertido, aliás, tudo está fazendo sentido. Uma exímia seleta de amores vãos, porque não me representariam por hora metade do que sou, mas aprendi com o que soltei, pelo que me acrescentou aos bocados. Carrego uma coleção de pipas invisíveis com altos gorjeios. Não eram e foram. Vivi. Erraram tanto quanto a mão do meu próprio orgulho, dos álcoois de nós, dos lençóis embasbacados, das criações, planos que poderiam ter sido plenos, cafés pequenos, alguns amargos, enjoativos, ralos ou fortes, como se o paladar viesse no momento certo do que se havia para lamber, como gato faz quando sara ferida. 

Eu queimei a língua tantas vezes, mas me refestelei na dança, trinquei dentes e xícaras, virei a mesa na frente dos banais, excomunguei muitos infernos. Mereci cada banho e cama de herança. Acordei menina com a dor. Doei amor ao sorrir, brotou minha real natureza com frescor de infância. Nunca mais adormeci como antes. Atualmente, moro em uma casa na árvore dos dias. Quanto aos minutos restantes, é quando minha criança interior se pronuncia que mais o meu destino amadurece.