30 de setembro de 2013

CORTINA

Foto: A pele pula do cetim em mim em pelo.
Do poro do pé ao cabelo, sou camarim.
Costurei espelho com luz na pálpebra.
O show nunca mais teve fim.

PAOLA BENEVIDES

A pele pula 
do cetim 
em mim 
em pelo.
Do poro do pé
ao cabelo,
sou camarim.

Costurei espelho 
com luz 
na pálpebra.

O show 
nunca mais 
teve fim.

27 de setembro de 2013

COLOMBINA

Nem chorar mais consigo, goela travada. Virei palhaça no teatro da vida. A lágrima que desce é a do Pierrot ao lado, desenhada em lápis preto por sua Inconstantina. Guizos no chapéu me acalmam feito sininhos da sorte. A fonte dos desejos secou? A lida não tem me deixado muito tempo. Realizarei o bastante antes da morte? Modéstia desligou a torneira do Inferno de Dante. Graças aos Deuses, tenho grandes amigos e sigo cativando novos intentos. Dos que se foram, alguns continuam sendo, encarnados ou não. Quanto aos mascarados, Ingenuidade desconhece, mas caladinha sabe um bocado essa madame Intuição. Solidão virou festa regada a outros caminhos. Há séculos desconheço o cheiro dos vinhos. 

Tomo passe, bebo água fluidificada, engulo mantras e meditação. Daí, ontem aprendi a sorrir sem que achasse graça. Atuei, desinibi. Entrei tanto na personagem, que as pessoas não paravam de rir e pedir bis. Bisancène! Repeti na hora da foto. Não que eu leve jeito, mas o jeito me levou para a coisa, por uma nobre causa, feito Loto. Ganhei no sorteio de artesanar para uma casa lotada. Se eu ficasse parada, poluída, a lagoa venosa iria obstruir. Chega de pausa. Então, fui agir. Caiu bem meia-calça vermelha, descalça, short dourado, maquiagem de boneca, um vestido colorido discrepante com minha maneira de travestir. Lembrei que hoje é dia de São Cosme e Damião, talvez por isso tenha resgatado essa criança, pagando fiança para sair da cadeia da mesmice. Eu, meio Dorian, meio Alice no meio dessa multidão a me pregar peças tão felizes.

23 de setembro de 2013

MEMORIAL

Sépia, insípida... 
Uma foto se desfaz na gaveta dos dias.
Ácaros tomaram a morte pela memória.

18 de setembro de 2013

ESCULHAMBACIONISMO

Acumulo adjetivos como quem coleciona patentes. De ofensas a elogios. Meus brios se espremem quando não há identificação com elas, mas as pessoas estão craques nisso. Até os mais omissos me surpreendem com seus certames poéticos, ascéticos, invencíveis. Brincam de psicodrama com os dramas alheios e, por quererem palco ou lona, interpõem-se frente às fraquezas, saem no braço comigo, fiel aos que me leem matizes sem as quererem más. As franquezas minhas são boas atrizes? Então, muito mais me amarás. Se canto uma canção que versa sobre amores, já supõem que faço uma declaração. Se ouço outra sobre dores, já a desclassificam em rumores patéticos e se doem por si. Estou perdendo a noção de mim por dar ouvidos a quem não me sabe a metade, avalie a cara. Viro, mas não para dá-la a bater. Talvez por ter feito o bastante. Morrissey abençoe as almas dos amigos, que vão para o inferno dos bons entendedores. Não vou nem dizer. Para quando a comunicação não vai bem, inventaram as indiretas. Isso lá é coisa de gente direita... Então, saia da reta. Atenção! Retenção do bem ninguém acerta. Se tudo que é meu parece feio, quem desdenha quer apetecer. À falta de conhecimento inteiro, costumo chamar preconceito. Os íntegros estudam antes de saber. 

Ironia fina, faro fino, operação pente fino, mas fineza que é bom, agudeza de caráter, cadê? Nunca afirmei ser a melhor no trato humano, por isso pergunto. Cadê? Não está mais aqui quem falou, porque vim para escrever. Despejar a água suja do sabão que não querem lamber. Veja como é bom ser invisível. A beleza vai envelhecer e pode nem dar filhos. Não há trilhos para o que se pode ser, se a vontade de voar vem do espírito. Estou em expansão no mesmo planeta que você. Sinto-me um estrangeiro, uzbesquistão mal quisto falando alemão, por vezes, inimigo. Melhor ter este por perto. O aperto de mão pode ceder. O chão pode se abrir. Só a boca que devo evitar, pois se vem uma mosca e outra a pegar carona no meu dejeto, projeta-se no que nem disparei. Ou seja, o que era projétil, virou míssil, o que era cocô, defequei, dei fé. Pequei, Senhor! Ai de mim se usar o pronome possessivo no "tu", sendo "seu". Nunca fui com a cara dos Parnasianos, licença me dei à poemática e mesclei o nó da gramática com coloquialismos. Imagine se suspeitassem que estudei fundamentos linguísticos e que, por isso mesmo, é que acabei com estes preciosismos. Despetalei a última flor do Lácio quando ela já nem de donzela se fazia. Azia me dá a própria língua, às vezes. "In the beginning was the Word, and the word was with God." (John 1:1) Bla bla bla, bigmouth strikes again and I've got no right to take my place with the human race.

15 de setembro de 2013

OBTUSA

Perdi um botão
Enquanto conversava com os outros da blusa.
Por tantos mal-me-queres, tornei-me reclusa,
Arrependida de trocar flores inteiras por suas pétalas.

11 de setembro de 2013

EUNÍRICO


Eu sou o assombro às avessas, o escombro sem pedras, o murmúrio do rio que corre por debaixo das minhas descobertas. Eu sou o lírio manchado de branco, o acalanto funkeado das três horas da manhã com os bêbados em seus carros, acidentalmente mórbidos. Eu sou a semente do limão presa aos dentes do macaco, não tenho asco do medo, não tenho azedo nos espasmos. Sou livre de toda raça, de toda falta de cor. Sou a piração de Nero, a pilha alcalina dos crânios que não cessam à noite. Eu sou o dia na praia enfeitado por cocos abandonados em casca. Verde e dura. Esmeralda. Não tenho pudor das minhas vestes, mas estou nua nesta dança do ventre com um pênis amarrado à minha testa. Vou assobiar um cio, bicar um grito, cochilar um ronco na chuva. Vou caminhar sobre nuvens feito o piolho nas barbas de deus. Eu sou Jesus Cristo Conegundes Vieira. Analfabeto de pai e mãe. Eu sou artista de rua mal-amado no Brasil, bem acolhido em Londres. Eu sou de Flandres. Comi aroeira e arrotei juá. Não sei fazenda nada. Sob o luar, corrijo correntezas, acorrentando mares. Eu sou baluarte popular, solto pipa do telhado quando me dá na telha. Quebro ouvidos com passos, por cima, vejo estrelas. Encabulo cometas quando sei trovejar. Minha boca é um trompete, os olhos tímidos, os cílios cínicos a escovar ventania. Vou te falar. Eu estava comendo pipoca quando um dia me veio um estalo. Pensei. Por que não pular? Então, saltei de salto quinze da beira da panela e caí no gogó do sapo. Virei ebó de príncipe. Mastiguei, mastiguei e nada de casamento. Fiquei para titia. Agora, eu me pergunto: que diabos vim fazer aqui na fila de grávidos? Engordei com a cinta até a papada. Contratei cirurgiões cubanos, amiguei com um e tive três tiçõezinhos. Tinham dentes mais alvos que os de alho, a morder o mamilo de um só peito. O outro entupiu sem leite. Queriam morder o assoalho feito cães. Anos depois, eu me vi latindo, mais afável que os humanos. Havia transcendido às priscas eras do paleolítico. Rangava salada de plâncton. Virei vegetariano, mudei de sexo pela segunda vez, implantei microasas de colibris e me libertei do convívio com demaseados. Estou na medida. Ultrapassei os mil metros na maratona dos suplícios. Meu vício hoje é fumar maços cheios de ectoplasma. O fenômeno das mesas girantes acrescentei às atrações do trem fantasma. Fumacê de gelo seco. Eu sou um circo. Eu sou forragem, pasto e milho. Eu sou a ferrugem no trilho do trem. Eu sou um trailer antes habitado por Alex Supertramp. Mesmo fiasco, eu não me desisto. Back on the chain gang.