20 de agosto de 2009

ENTREVISTA

Há quanto tempo escreve? Como começou a escrever?

Desde pequena. Enquanto não detinha o alfabeto nas mãos, metia um rabisco grosso num monte de papéis ou ruminava alguma palavra nova sozinha. É como faz toda criança, confabula, cria à toa sem amarras, depois quando cresce é que se dá conta do medo e daí vêm as travas. Mas as letras vieram mesmo lá pelos meus onze anos, com o gosto pela leitura também adolescendo. Comecei com poesia, como quase todo mundo faz, depois larguei um pouco o lirismo de lado e parti para os contos. A música foi outro meio instigador, aliás, as artes todas. Sempre gostei de mesclas: som, imagem, palavra... Nunca fui muito de falar, então, prefiro exercitar outras linguagens, encontro maior expressividade nelas.


Por que escreve? Com que freqüência? Onde e em que meio? Utiliza Internet ou outras linguagens? O que é ser escritor nos dias de hoje, em Fortaleza ou fora dela?
Escrevo porque tenho a sensação de que o dito às vezes foge do controle e acaba por cair no banal. Prefiro prender as palavras no silêncio da leitura. Isso em mim liberta. Não tenho hora certa, nem situação pensada, considero esse chamado ócio um ofício da alma. Ato prazeroso o de criar, vai no ímpeto, embora deva doer tal um parto quando de repente alguém encomenda algo e, por carência financeira, a gente tem de se sujeitar às pressões do tempo. Geralmente escrevo em Blogs, Zines, produções independentes, meios alternativos para propagar novas idéias. Creio que o escrito ali solto, impresso ou ‘Internetado’, estende sua atenção para ser lido, relido e multi-interpretado pelo leitor, à sua vontade. A grande importância de se escrever está nisso, na troca humana, no deleite com a mensagem, não no interesse esdrúxulo de se tornar um ‘imortal’ pretenso. Tarefa delicada essa, mesmo quando os meios são vários. Pois, enquanto não se faz um nome no âmbito literário, a discriminação é tamanha entre as panelinhas de ares acadêmicos. Arte foi feita para humanizar, não endeusar criadores. Ah, se o incentivo fosse mútuo! Mas não deixemos de buscar.

Os cursos de Letras estão aptos a estimular o gosto pela escrita nos jovens? O que acha dos cursos superiores voltados unicamente para a formação de escritores?
Não creio que o estímulo à escrita parta dos cursos de Letras, mas do próprio âmago do jovem que se sente motivado a praticar sua arte. Não consigo vislumbrar a escrita como um processo meramente mecânico, por isso não vejo necessidade em se ‘formar’ escritores, graduar escritores... Isso soa elitista demais! O talento é inerente ao indivíduo. Manuais de um fazer literário estão cheios por aí a atender apelos comerciais, só que padronizar limita e limitação não se aplica ao artístico. Deviam ter em primeiro uma preocupação com a formação do leitor, sou a favor de maior expansão leitora, fartar as novas gerações com os mestres do passado eternizado, a maioria dos quais nem sequer teve formação escolar completa, nem acadêmica na área das Letras, tais Machado, Guimarães, Graciliano.

Qual o peso do cânone literário (de uma tradição) no seu processo de escrita? Como você lida com as influências?
Essencial vislumbrar as tendências. Sem querer, a gente acaba por internalizar bagagens de mundo viajando no velho, pousando no novo e, assim, antevê o próprio rumo. Tomo por identificação a lírica intimista, aqueles existencialismos Clariceanos, também de Kafka, Pessoa; certo romantismo negro, simbolista, dos poetas malditos, escorregando pela verve modernista ou pelo universo pós de Caio Fernando. Nem importam as terminologias, os ‘ismos’, vou abstraindo na escrita, universalizando. No momento do ‘jorro espiritual’ pouco ou nada penso acerca do peso de um cânone literário, já vão inclusas inconscientemente leituras diversas, filmes, cenas do cotidiano, sonhos... Uma desorganização permeada de resquícios ricos, versos livres que compõem a vida, maior inspiração encontro dessa forma.

O que acha do rótulo de literatura regional? Hoje, quem escreve em Fortaleza faz literatura regional? Falo em contraposição ao que se produz em São Paulo, por exemplo, e noutros centros culturais e econômicos.
Sou contra a qualquer tipo de rotulagem, é descabido delimitar o que se configura tão plural! De repente, em razão do nordeste ter introduzido essa estética de descrever cenários locais com mais força, desde aquela geração Romântica pioneira Alencarina e de outros autores a ressaltar as cores da terra, há quem julgue exclusivamente regional o que pode ser defendido como nacional e até universal. Nada julgo. Vejamos Machado de Assis, suas obras pintam tanto o Rio de Janeiro, mas quase ninguém considera aquilo regionalista. Ai, esses termos... Complica-se por demais! E regionalismos à parte, tudo é válido, é importante mostrar nossas características, documentar nossa própria história, mas vamos sair daquela vertente literária presa aos costumes específicos de uma região e levar a cultura para ser universalizada!

Comente: literatura na Internet – uma saída ou um beco sem saída? O que acha do rótulo “literatura na Internet?” Qual a importância da rede de computadores pra você? Falo em relação ao processo de escrita e também à recepção da obra (textos soltos, contos, poesias, fragmentos etc.) na Internet.
Engraçado, essa temática da fuga tem me perseguido. (Risos) É que dos contos que expus na Internet, um se chama ‘Beco Sem Saída’, preso (ou solto) em blog ainda e o outro, ‘A Saída’, que consegui publicação em antologia, graças a um concurso literário. Olha, a literatura na Internet não deixa de ser a mesma que se publica em qualquer suporte, a diferença boa é o fato de ampliar a disseminação dos textos da forma que lhe convier, expandir contatos, entretanto, essa superexposição ou o excesso com que se publica tende a se pecar em qualidade, essa liberdade vira caos. Há tanto lixo sobrecarregando a rede em meio a tantas maravilhas também, que qualquer critério de literariedade, estética, acaba se perdendo ou confundindo o leitor. Acredito que a recepção é ótima, apesar disso, apesar de uma certa desorganização, como a falta de referência bibliográfica, em alguns casos, que podem empobrecer uma pesquisa. As bibliotecas virtuais crescem e, consequentemente, o acesso a obras raras fica mais fácil, enfim, tudo é questão de bom senso, de escolha minuciosa. Há quem prefira ler um romance no computador, eu já opto por ler e escrever fragmentos ali, histórias curtas, já que o tempo tende ao imediato, as pessoas têm pressa, o mundo corre com essa transmissão de dados absurda.


Os blogs são uma nova força para quem escreve?
Claro, nada mais atual e democrático que expor os escritos nessa blogosfera prosperada. Esta linguagem que antes se reduzia a desabafos pessoais tal um diário virtual da escrita de si, hoje assume diversas roupagens, com extensa gama de temas e propósitos. Eis uma ferramenta mágica, por vezes despretensiosa, para divulgar literatura, nova e velha, boa ou ruim, pois tudo é questão de estilo, de preferência. A vitrine está ali, acessibilíssima ao leitor de qualquer parte do planeta. Interessantes os espaços dentro desses sítios eletrônicos destinados a tecer comentários, interagir... E sendo facilmente possível render grande repercussão com a escrita, a descoberta de autores via Blog pode contribuir para revelar as novas promessas dessa sábia geração cyber.

Como é escrever em Fortaleza? Existem autores locais que você admire? Quais os seus autores de cabeceira?
Bem, escrever em Fortaleza... Não sei, estou só começando, quero apenas aprender com alguns mestres, com alguns gênios humildes, sem me prender aos academicismos vigentes. Há tantos que ainda cheiram a mofo e se vangloriam de seus feitos nestes salões da alta sociedade, que nem vislumbram as boas novidades por aí. Ficam masturbando o ego e tecendo elogios falsos aos colegas, quando por trás das máscaras se digladiam feito putas na disputa do posto (ou do poste) mais alto. Luz, por favor! Admiro bastantes autores cearenses tais Moreira Campos, José Alcides Pinto, Airton Monte e tantos outros, anônimos por enquanto.

Henrique Araújo entrevista Paola Benevides (FORTALEZA, 2007)

8 de agosto de 2009

Verdadeiriça

Falar de mim posso eu, fazem os outros, não há quem impeça minha lembrança ou mesmo a lembrança de mim. Hoje acordei com certa angústia. Não sei se é a posição dos móveis no quarto que não mexo há anos, nem se ansio por alguma nova coisa. Devem ser ambos. Corpo reclama cansado enquanto a mente capta informações tortas e diretas, direitas e mórbidas. Muito a fazer em idéias sobrepostas, a preguiça me fustiga, resolvo ler. Além do bem e do mal, Nietszche roubado da alcova de meu irmão. Ele viaja. Aproveito a cama feita, lençol esticado, janela aberta para um horizonte meio nublado, brisa fresca. Quase adormeço onde deita o Márcio. Gosto de ver estante com livros, novos, cheirosos. Só em tomá-los nas mãos pareço absorver mais cultura. Fragmentada, abri na página sobre os horrores do catolicismo e uma comparação esdrúxula entre mulher e verdade. Se o homem não as tem, está perdido. Das duas, uma. Falsa? Mas a verdade é que eu sou mulher, sofro com isso, gosto também, masoquista. Mal-quista-bem-quista, tudo consta na lista do que se é de verdade. Sou loba do homem que me escolher por raposa. Receberei uvas no bico.

Lobos? São muitos.
Mas tu podes ainda
A palavra na língua
Aquietá-los.
Mortos? O mundo.
Mas podes acordá-lo
Sortilégio de vida
Na palavra escrita.
Lúcidos? São poucos.
Mas se farão milhares
Se à lucidez dos poucos
Te juntares.
Raros? Teus preclaros amigos.
E tu mesmo, raro.
Se nas coisas que digo
Acreditares.
HILDA HILST